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25.5.08

O Controle Operário e a Questão da Estatização

Serge Goulart
11/01/03

Joinville é a maior cidade de Santa Catarina e o terceiro polo industrial do sul do Brasil. Com 650 mil habitantes é uma cidade de colonização alemã, cuja lingua e costumes são parte integrante da vida da população. Além de ainda ligada direta e indiretamente a muitas indústrias alemãs, Joinville tem uma uma forte ligação com o ABC paulista como fornecedora das montadoras de automóveis, além de uma forte indústria de motores elétricos, equipamentos domésticos e produtos de plástico domésticos e industriais. Para compreender o peso que tem o proletariado industrial em Joinville basta saber que nela existem 760 Ferramentarias (metalúrgicas que produzem ferramentas para as fábricas). O patronato de Joinville, organizado na Associação Comercial e Industrial de Joinville (ACIJ) mantém um estado de espirito de colono empreendedor autoritário e violento combinada com uma atitude de “pai” e “colaborador” dos trabalhadores de sua fábrica. É até hoje contada nos meios operários o fato de que um dos principais patrões, atual presidente da ACIJ e presidente local do Partido Liberal (um partido aliado de Lula no governo), amarrou com correntes na bancada da máquina uma funcionária durante uma greve de sua fábrica textil nos anos 80.
No passado, já foi um importante centro textil, e o setor plástico já foi muito forte. Hoje, Joinville, passa por uma transformação em que se combinam liquidação e concentração. O principal das indústrias hoje está controlada por multinacionais (Multibrás-EUA, AMANCO-Suíça), por bancos (Tupy-Bradesco) e Fundos de Pensão (Tupy-Previ). Estes são apenas alguns exemplos. Mas, ainda é o centro de uma região industrial que se expande em diversos ramos industriais. Recentemente Acelor inaugurou uma fábrica numa cidade ao lado, São Francisco, e o Grupo Saint Gobin está abrindo outra em Barra Velha. Jaraguá do Sul, há 30 kms, é hoje o principal polo metalúrgico de SC. Entretanto, na cidade de Joinville, a decadência industrial continua a se fazer sentir com um crescente desemprego provocado pela quebra de setores inteiros da economia nacional e também por causa da automação industrial. É cada vez mais difícil encontrar um patrão que no fim de semana ia comer caranguejos e tomar cerveja com os “colaboradores” na Recreativa da fábrica.
É nesta situação que duas grandes indústrias, a CIPLA SA e a INTERFIBRA SA. estão hoje sob controle dos trabalhadores. Seus objetivos: salvar os 1.000 postos de trabalho, receber os salários em dia, receber as dívidas trabalhistas e previdenciárias. Há anos os proprietários não recolhiam as contribuições para a Previdência Social, nem mesmo a parte que descontavam dos salários dos trabalhadores, não mais pagavam salários em dia, enfim, não recolhiam encargos sociais e nem impostos, assim como não pagavam os fornecedores. Desde janeiro de 2002 os salários eram pagos na razão de R30,00 a R$50,00 por semana. Sendo que 80% dos trabalhadores destas fábricas recebiam salários de cerca de R$500,00.
Em janeiro de 2002, uma tentativa de greve explodiu na fábrica. Mas, sem direção e sem comando, apenas resultou em cerca de 140 demissões. A diretoria do sindicato da categoria, Sindicato dos Plásticos de Joinville, não só não ajudou, não organizou, como deu várias declarações à imprensa de que a greve era ilegal e que não havia nada que fazer pois se a situação da empresa já era difícil com a greve ia piorar. E depois fez um acordo com os patrões aceitandop todas as demissões.
Nada mudou na fábrica depois disso e se tornou insuportável para os operários a continuidade daquela situação. No mesmo ano, em setembro de 2002, eles tioraram as lições da derrota de janeiro e entraram em contato com os militantes que haviam concentrado sua campanha eleitoral para deputado nas portas das fábricas e que impulsionavam o mandato de um vereador do PT. Reuniões, manifestações, passeatas e assembléias foram realizadas reunindo e aumentando as forças dos trabalhadores e sua confiança em enfrentar a patronal para defender seus direitos e suas reivindicações.
Assim em 24 de outubro de 2002, quando a greve foi deflagrada, tudo havia sido organizado de outra forma. Após várias assembléias os 1.000 trabalhadores destas duas empresas do grupo HB entraram em greve, apenas 3 dias antes do 2º Turno das eleições presidenciais. Um dia antes uma carta ao candidato a presidente do PT, Lula, havia sido entregue pessoalmente por uma comissão que liderava uma delegação de 90 operários ao último comício de campanha, em Florianópolis. Esta carta pedia a Lula que ajudasse a resolver a questão salvando os empregos e se solidarizava com sua candidatura.
Durante a assembléia que decidiu a greve, a diretoria do Sindicato dos Plásticos, que sob pressão dos operários “cedia” o local para as assembléias, apresentou seu parecer “jurídico” sobre a proposta de decretação da greve. Feito por escrito e exposto pelo advogado do sindicato a greve seria ilegal e não podia ser apoiada oficialmente pelo sindicato. Ignorando o parecer pelêgo da diretoria, a assembléia lotada decidiu por unanimidade pela greve a partir das 05:00 horas. A diretoria do sindicato, então, declara seu apoio à “decisão dos trabalhadores” e passa a acompanhar as atividades.
Durante 8 dias os piqueteiros, homens e mulheres, sofreram todo tipo de pressão, tentativas de fura-greves contratados, violência policial com gases, cassetetes, etc. Mas, os piquetes só aumentavam em número e atividades. E a solidariedade popular crescia com diversas manifestações de solidariedade, em especial com doações para o fundo de greve.
Durante as negociações, o comando de greve e o sindicato conseguem o apoio dos vereadores, do Ministério Público Federal e Estadual, do prefeito e do governador eleito, Luiz Henrique da Silveira, do PMDB, além do deputado estadual Francisco de Assis e do deputado federal Carlito Mers, ambos do PT. O vereador do PT, Adilson Mariano joga um importante papel no apoio e sustentação direta da greve. É seu carro que tem o som utilizado nas manifestações.
Após inúmeras e infindáveis rodadas de negociação os patrões declararam que não tinham como pagar os salários e os débitos trabalhistas, previdenciários e fiscais. As duas empresas estavam completamente endividada, com centenas de ações judiciais, todas as máquinas e o patrimônio penhorado judicialmente. Enfim, estas duas jóias da coroa industrial de Joinville, a CIPLA e a INTERFIBRA, que já chegaram a ter 9.000 operários trabalhando, estava prestes a fechar. E a greve continuava com força ampliada.
Sem saída, os patrões propuseram então passar o conjunto das ações das duas empresas para os trabalhadores entregando-lhes a propriedade em troca das dívidas trabalhistas. Em assembléia os trabalhadores decidem assumir o controle administrativo e financeiro por um período de transição de 90 dias. Neste período um levantamento será efetuado para levantar a situação real das empresas. É então eleita uma Comissão de Transição para dirigir a empresa. O objetivo do comando de greve não é transformar os operários em operários-patrões mas ganhar tempo para definir com os trabalhadores uma orientação clara que não os leve para a armadilha das cooperativas ou da Auto-Gestão ao mesmo tempo em que impedem o fechamenrto da fábrica.
Ainda em greve os trabalhadores decidem assumir o período de transição com três objetivos:
1. Salvar os 1.000 postos de trabalho
2. Receber os salários em dia
3. Receber as dividas trabalhistas e previdenciárias
Os trabalhadores então elegem uma Comissão de 4 membros para dirigir cada uma das duas empresas e retomam a produção.
Para conquistar estes três objetivos os trabalhadores decidem, em várias assembléias nas semanas seguintes, lutar para que o governo assuma as empresas (estatize) pelos créditos fiscais e previdênciários que tem a receber. A luta pela estatização é entendida como o único caminho para salvar os 1.000 empregos.
Na Câmara de Vereadores de Joinville se constituiu uma Comissão com todos os partidos para levantar a situação das empresas e ajudar a salvar os empregos. Esta Comissão, presidida pelo vereador Adilson Mariano, do PT, faz aprovar por unanimidade na Câmara de Vereadores, moções dirigidas aos poderes judiciários pedindo a suspensão das execuções judiciais e os leilões de equipamentos. Assim como moções à Assembléia Legislativa do Estado de SC, à prefeitura de Joinville e ao governo do Estado, pedindo que não poupem esforços para salvar os 1.000 empregos. Uma comissão de vereadores de Joinville e de diretores eleitos pelos trabalhadores, com o apoio da prefeitura, do governador eleito em 27/10/02, se encontra com as empresas estatais de Água (CASAN) e de Eletricidade (CELESC) e consegue renegociar os débitos da empresa e dos trabalhadores para manter o fornecimento de água e energia.
Uma reunião com a Executiva Estadual do PT de SC acontece e ela decide acompanhar os acontecimentos ficando de designar um membro para acompanhar o processo. A direção eleita das duas empresas tenta marcar uma audiência com o governador em exercício Espiridião Amin mas ela não se concretiza.
Deputados, vereadores e sindicalistas são convidados e freqüentam as empresas para ver como estão funcionando. Um Conselho de Fábrica com delegados eleitos e revogáveis a qualquer momento pelos diversis setores da fábrica passa a se reunir quinzenalmente. Assembléias por turno (a fábrica funciona 24 horas com 3 turnos), assembléias gerais e reuniões por setor organizam os trabalhadores para compreender o que se passa e agir na luta comum.
A produção aumenta em 50% no primeiro mês sob controle dos trabalhadores e o refugo de peças quase desaparece. É uma demonstração do ânimo dos operários.
A luta continua em toda a cidade
A cidade toda sabe que os trabalhadores agora controlam a CIPLA e a INTERFIBRA. E nos bairros, nas escolas, praças, onibus, todos discutem a questão com um impressionante espírito de solidariedade com os operários. Praticamente todas as famílias de trabalhadores de Joinville já tiveram ou tem alguém trabalhando numa destas duas empresas. Assim, não é Joinville que cerca os enormes muros da CIPLA, localizada quase no centro da cidade, de fato, mas é a Cipla e a Interfibra que cercam Joinville. Trabalhadores de diversas indústrias em situação difícil começam a procurar os trabalhadores da CIPLA e da INTERFIBRA para “para ver se não dá para resolver também a situação de nossa empresa”.
Com a eleição de Lula os trabalhadores resolvem enviar-lhe uma nova carta, agora como presidente, mas com milhares de assinaturas colhidas pelos operários nos seus bairros, pedindo a Lula que assuma as duas empresas para que o governo receba suas dívidas e salve os 1.000 empregos. Pedem ainda que uma delegação seja recebida para discutir a questão.
Decidem, também, e realizam um grande Ato Público com milhares de trabalhadores no centro da cidade em 13/12/02. É um Ato que reune um impressionante número de apoiadores, um Ato de Unidade para salvar os 1.000 empregos. Com impressionante energia os operários realizam em toda a cidade a coleta de assinaturas em terminais de onibus, em incontáveis reuniões, em debates onde explicam sua luta, em qualquer tipo de atividades a que tem acesso, desde assembléias de moradores, encontros em escolas, em reuniões religiosas de quase todas as igrejas, nas portas de outras fábricas. É uma ação de massa e que encontra um impressionante eco de solidariedade de classe na cidade operária.
Como resultado conseguirão colher na Carta à Lula, pedindo-lhe que assuma as duas empresas estatizando-as para salvar os 1.000 empregos, mais de 60.000 assinaturas só em Joinville. De outras cidades de Santa Catarina e do Brasil chegam mais 10 mil assinaturas de apoio nesta Carta totalizando mais de 70.000 adesões.

As razões da quebra
Durante este período os trabalhadores lutam com dificuldades para manter as fábricas funcionando. Elas não tem nenhum crédito, devem comprar a vista a matéria-prima e receber a prazo. Mesmo assim, com o aumento da produtividade e a demissão de diretores ligados aos antigos patrões, foi possível que os operários recebessem em novembro e dezembro, os dois salários integrais, o que não acontecia desde janeiro de 2002.
Desde que assumiram o controle os trabalhadores se depararam com uma campanha de calúnias por parte dos ex-patrões que visava desacreditar o movimento grevista e demonstrar a incapacidade dos trabalhadores de dirigir as empresas e organizar a produção, a comercialização, enfim, a administração das empresas. O que podia parecer um contra-censo, ou uma contradição, era na verdade uma ação política preventiva de toda a patronal de Joinville frente a possibilidade do “vírus” do controle operário “contaminar” a classe operária e passar a ser uma “saída” natural para as quebras e falências, em sua maior parte fraudulentas, e demissões em massa. Esta campanha foi respondida por assembléias e por boletins distribuídos aos milhares de forma muito firme pelos trabalhadores. Mas nunca cessou e, de tempos em tempos, ressurge de uma ou outra forma. A maior parte das vezes reaparecendo na voz e articulações de dirigentes políticos e parlamentares ligados ao governo federal em reuniões e atividades partidárias ou nas tentativas de desastabilização do trabalho da direção eleita através de ações ou intrigas de funcionários que eram ligados de alguma forma com os ex-patrões ou que furaram a greve mas foram poupados pelos trabalhadores.
Um dos aspectos importantes do combate político levado contra a atividade prática da Comissão de Transição e a orientação de luta pela estatização é apregoar o tempo todo a incompetência e desonestidade dos antigos proprietários. Estes dois aspectos que são de caráter pessoal buscam na verdade ressaltar a quebra e o tratamento dado aos operários como um problema particular, individual, de certos patrões. Na verdade, havia um aspecto aventureiro e mesmo uma tendência a buscar soluções fraudando o fisco, enganando os trabalhadores e fornecedores. Entretanto, este traço de caráter não é “particular”, ele está presente e é na verdade o traço dominante do caráter da burguesia semi-colonial do Brasil e de todo o mundo. Aliás, hoje, em todo o planeta a dominação do capital financeiro transforma cada dia mais a classe capitalista em máfia inescrupulosa que age como gangster frente a qualquer ameaça ao seu patrimônio. Esta pressão do capital financeiro especulativo, e das multinacionais montadas e vivendo com base na fraude e na pilhagem, acentuam até os limites do inimáginavel a tendência bandoleira que a burguesia desenvolveu desde seu princípio. Desaparecidos os “self made man” e seu orgulho patriótico, o que restou foi uma revoada de abutres ameaçando a classe trabalhadora e toda a humanidade.
A época do imperialismo é implacavel, destruindo tudo a sua volta independentemente da capacidade e competência de qualquer burguês individual. O caráter de cada burguês individualmente só pode ajuda-lo a deslizar neste abismo com maior ou menor velocidade mas não pode modificar o curso e nem deter a avalanche. Afinal, nem mesmo as ações dos governos podem modificar isto enquanto eles aplicam a política do imperialismo. Justamente porque esta política é uma fuga para a frente onde a ordem é concentrar, tomar mercados, dizimar a concorrencia e a qualquer preço “reduzir o custo do trabalho” destruindo direitos e conquistas. Quanto mais especulam com as finanças, quanto mais concentram as indústrias, e tudo o mais, em grandes monopólios ou cartéis, quanto mais baixam o “custo do trabalho”, mais os capitalistas reduzem empregos e salários diretos e indiretos, causando uma redução do consumo e como consequência se obrigando a acelerar no círculo infernal em que estão metidos. Nesta situação os burgueses não tem mais nenhum escrupulo e se lançam no “cada um por si e deus por todos” transformando-se diretamente em gangsters endoidecidos que a tudo roubam e a todos enganam. A Cipla e a Interfibra são exemplos disso.
A CIPLA e a INTERFIBRA são empresas pioneiras em tecnologia de plástico resistente à alta pressão, ao calor e à corrosão. Há anos fabricam peças para a Volvo, em doze países, para a Mercedes Benz, em seis países, para a Multibrás (Cônsul), para a Petrobrás, e inúmeras outras multinacionais. Além disso sua linha para material de consumo é reconhecida nacionalmente. A CIPLA já chegou a faturar U$10 milhões de dólares mensais e a Interfibra U$3 milhões. Estas empresas só chegaram a esta situação por que foram saqueadas, pilhadas, diretamente nos últimos 10 anos, por seus proprietários, que controlam o Grupo HB que envolve cerca de 47 empresas. Por que foram saqueadas e lavadas à liquidação?
Fundadas em 1960 e separadas em 1990 do Grupo Hansen, família tradicional de Joinville que controla a multinacional Tigre e outras empresas, por uma cisão da herança do fundador do Grupo, a Cipla e a Interfibra perderam o apoio da massa de capital com que o Grupo Hansen sustentava as modernizações tecnológicas necessárias. Foi neste momento que o Plano Collor (1990) deu-lhes um golpe quase mortal. O congelamento dos depósitos bancários e o desaparecimento momentâneo de seu capital de giro foi respondido pelos proprietários com tomada de dinheiro em agiotas e operações fraudulentas de lançamento de debentures, entre outras.
Ao mesmo tempo houve a entrada de uma grande multinacional suíça do setor, a Amanco, que comprou a pequena Akros, também de Joinville, competidora direta. A Amanco investiu na Akros, modernizou e ampliou extraordinariamente a fábrica comprada e passou a competir com vantagem derivada do aumento da produtividade, da produção em escala e do fácil acesso a capitais. Também o Grupo Tigre entrou no mercado da Cipla com muito capital, alta produtividade, etc. O mundo foi ficando pequeno para os capitalistas descapitalizados da Cipla e Interfibra.
De início reagiram pretendendo substituir o capital necessário, mas inexistente, por esperteza e idéias mirabolantes. Tentaram inventar o que já fora inventado, copiaram protótipos em feiras, queriam fazer casas populares de plástico num país onde não existe calefação, a eletricidade custa caro e o frio e o calor exigem materiais minimamente conservantes. Enfim, dilapidaram o que lhes restava.
Cada vez mais estrangulados, os proprietários da Cipla e Interfibra, passaram a utilizar artifícios comerciais, administrativos e jurídicos para sobreviver. Utilizando fraudulentamente uma lei de concessão de benefícios fiscais chegou a montar uma fábrica fantasma no Paraguai. E para lá exportou R$3 milhões em mercadorias. Que pretendia vender como se fosse produzida naquele país para o que receberia enormes incentivos fiscais. A aventura acabou mal dando tudo errado. Apropriaram-se dos créditos de ICMS (créditos de incentivo à exportação, que em SC podem ser vendidos!), mas não conseguiu vender nada no Paraguai. Afinal, lá quase todos os encanamentos e equipamentos sanitários são de metal, muito antigos, como na Argentina, e o mercado insignificante. Com a falsa fábrica lotada e sem ter o que fazer com suas mercadorias, abandonaram tudo por lá mesmo, já que para trazer a mercadoria de volta ao Brasil teriam que pagar taxas de importação de até 30% do valor global.
Este conjunto de circunstâncias e aventuras levou a insolvência e a previsível quebra. A predação dos grandes grupos economicos, o vampirismo do capital financeiro, as ações dos governos a serviço do imperialismo, criaram o caldo de cultura para as mais loucas e degeneradas aventuras administrativas se apresentarem. E quando perceberam que não havia mais como resolver a situação os proprietários, então, fizeram um plano: resolveram dilapidar a fábrica e embolsar o dinheiro de impostos, taxas, previdência, FGTS, fornecedores e até salários, levando a situação “até onde desse”.
Durante dez anos, milhões de dólares foram assim embolsados sem que praticamente nada os incomodasse. Os poderes públicos, responsáveis pela arrecadação, por todo o controle e fiscalização, seja dos tributos municipais, estaduais e federais, seja dos encargos sociais e direitos trabalhistas, apenas continuava “cumprindo a tabela” como se diz no futebol. Enquanto isso a diretoria do sindicato homologava as demissões e aconselhava os operários a “pegar o que desse”.
Assim, a Cipla e a Interfibra vieram de 6.000 operários, em 1990, para apenas 1.000, em 2002, quando os trabalhadores assumiram o controle para evitar que fechassem. De simples números, ou “laranjas chupadas” como se diz na fábrica, os trabalhadores viraram homens e mulheres que resolveram tomar seu destino nas mãos. A diferença completa da situação de “antes” para “depois” foi, apenas, a sua organização. Mas este “apenas” é que possibilitou a ação e a orientação política firme que depois de um ano e meio ainda conduz estes trabalhadores a continuar a luta, não como mendigos, mas como trabalhadores orgulhosos do que fizeram e estão fazendo. E estes trabalhadores, que nunca tinham “feito política” antes, e que em sua maioria nem mesmo eram sindicalizados, para salvar seus empregos tiveram que se erguer como gigantes, não só frente aos patrões, mas também encarar o judiciário, e enfrentar o principal poder político da nação, o governo que eles próprios elegeram.

As multinacionais – A Volvo ataca
Quando os trabalhadores assumiram o controle das das empresas a Cipla tinha a quase totalidade de seu faturamento assegurado por compradores industriais. São montadoras como Mercedes-Bens, Volvo, Scania, e outras multinacionais como Eletrolux, Multibrás (Cônsul), etc. Estes compradores mantém equipamentos chamados “moldes” dentro da CIPLA para fabricação de suas peças. Eles acompanham a produção diariamente e diretamente com inspetores vindos das suas centrais no Brasil. Num primeiro momento houve um pouco de pânico nos grandes compradores pois não é simples trocar de fornecedor de peças industriais. Mas, logo as coisas foram se acalmando a medida que os próprios inspetores passaram a respirar um ar mais agradável dentro da fábrica e vendo o entusiasmo dos trabalhadores resolveram em semanas vários problemas que há anos se arrastavam sem solução.
Apesar disto, e da unanimidade dos inspetores sobre a melhora da qualidade das peças, do aumento da produção, da melhora na entrega e no cumprimento dos prazos, além da mudança geral de clima dentro da fábrica, a CIPLA foi surpreendida por uma comunicação da Volvo do Brasil, de que a Volvo Sueca, a matriz mundial, frente ao desenrolar da situação na CIPLA havia decidido retirar seus equipamentos (moldes) e encerrar as compras com a CIPLA.
Antes fora a Multibrás e a Eletrolux que comunicaram que estavam se retirando. Como o faturamento com estas duas era pequeno, foram-se. Mas com a Volvo era diferente. Ela assegurava cerca de 17% do faturamento mensal da Cipla. Sua retirada poderia significar a inviabilização definitiva e o fechamento da CIPLA.
E esta foi evidentemente uma decisão política da matriz da Volvo reagindo à situação em que os trabalhadores assumiram o controle administrativo e financeiro e estão mobilizando toda a cidade com objetivo de que o governo assuma as empresas.
Como medida imediata a direção eleita organizou uma delegação para reunir-se com a presidência da Volvo do Brasil. Esta delegação foi composta por 3 diretores eleitos da CIPLA, um representante do Sindicato dos trabalhadores plásticos de Joinville, um vereador do PT, um deputado estadual do PT, um deputado federal do PT, um representante do prefeito de Joinville (PSDB) e um representante do governador eleito (PMDB). A presidência da Volvo do Brasil manteve-se intransigente e apenas concordou em continuar comprando por mais 60 dias. O que de fato resolvia apenas o seu próprio problema de encontrar outra indústria capaz de substituir a CIPLA.
Frente a esta situação a Comissão de Transição eleita da CIPLA junto com o Conselho de Delegados de Fábrica (eleitos por setor e revogáveis a qualquer momento), que é o comando político e administrativo da fábrica, resolveram apelar para a solidariedade internacional dos sindicatos de vários países da Europa (França, Alemanha, Suécia, etc), ligados à categoria dos plásticos e da metalurgia, para que ajudassem a conseguir uma reunião com a direção da Volvo na Suécia e participassem de uma delegação à Estocolmo para discutir a questão e ajudar a salvar os 1.000 postos de trabalho. Esta reunião nunca aconteceu porque naquele momento os trabalhadores não conseguiram para isso nenhum ponto de apoio na Europa, apesar de várias promessas. Tentando todas as possibilidades para impedir o fechamento da fábrica a direção eleita da Cipla teve uma reunião com o governador eleito de SC, Luis Henrique da Silveira (ex-prefeito de Joinville) que se comprometeu a interceder junto a Volvo e “ajudar no que pudesse”. Mas, não aconteceu nada e a Comissão de Transição começou a tentar conseguir apoio de parlamentares e sindicalistas no estado do Paraná onde está a sede da Volvo do Brasil, mas também não teve sucesso. Alguns sindicalistas se dispuseram a ajudar mas nada conseguiram.
Em 20 de dezembro de 2002, numa sexta-feira, às 18:00 horas, aparece na Cipla um oficial de justiça com uma Liminar Judicial conseguida pela Volvo, em Curitiba, e que um Juiz de Joinville mandara cumprir. A liminar autorizava a Volvo a retirar todas as suas ferramentas (moldes) da fábrica da Cipla. Junto estava um advogado da Volvo e uma equipe de 4 PMs armados. Nesta liminar judicial se lê a justificativa da Volvo para pedir ao Juiz a retirada de seus moldes: “... na Cipla os operários literalmente tomaram o poder.”
Imediatamente a fábrica é paralizada pela Comissão de Transição e os operários bloqueiam os dois portões. Trilhos são levados por empilhadeiras para barrar as entradas e para reforçar dois caminhões são atravessados pelo lado de dentro dos portões. Junto destas barricadas improvisadas centenas de operários encaram a guarda afirmando uma só decisão: daqui não saem os moldes da Volvo.
A PM chama reforço. Eles chegam como gafanhotos, mas de novo são insuficientes pois mais trabalhadores vindo dos bairros, avisados por telefone, estão chegando. Parlamentares do PT chegam ao local e se colocam sob a mesma orientação: impedir a retirada dos moldes. Militantes da Juventude Revolução se somam ao bloqueio e ajudam em todas as medidas adotadas. A PM hesita, ameaça, vacila e se paraliza. Impasse.
As 23:30 horas numa reunião, no comando da PM de Joinville, constatando que não havia como entrar pacificamente, o comandante da PM, sob intensa pressão, transfere a execução da ordem para as 14:00 horas do dia seguinte “para ver o que vamos poder fazer”.
Durante a noite a mobilização cresce e pela manhã o pátio está coberto de barracas e não cessam de chegar trabalhadores e familiares, militantes solidários, sindicalistas, jovens, etc. A fábrica diz que vai resistir e que a Volvo não vai levar os moldes. A mobilização é impressionante. Cada um faz uma coisa, todos se preparando para defender os postos de trabalho até as últimas consequências. Ninguém dorme. Uns tocam violão, outros bebem chimarrão ou café, preparam alguma comida. E histórias de greves, manifestações, enfrentamentos com a polícia, são contadas por um ou outro que já participou de alguma luta há tempos atrás. Os jovens da Juventude Revolução tem muito para contar com as mobilizações de milhares de estudantes que fizeram pelo Passe Livre e os enfrentamentos com a PM que tiveram nos últimos anos. Velhos operários e operárias que nunca participaram de nada parecido ouvem com atenção, enquanto seus olhos enrugados correm do contador de história para o portão vigiado pelos companheiros de plantão. A noite é longa, quente e solidária.
As 10:00 horas da manhã seguinte, no sábado, com a mobilização firme e ainda crescente na fábrica, o advogado dos trabalhadores encontra o Juiz de Joinville que concedera a Liminar autorizando o uso de força policial. A situação é apresentada e o advogado, um militante operário, comunica ao meritíssimo Juiz, que se ele mantiver a ordem “vai passar o Natal com as mãos sujas do sangue dos operários, que já decidiram que não vão entregar os moldes da Volvo”. O meritíssimo Juiz, com seu senso de justiça reacendido pela proximidade do Natal, decide uma postergação do cumprimento da liminar “para em janeiro ver o que vamos fazer”.
A Volvo entra em pânico. A não entrega de peças por mais de 15 dias começaria a paralizar suas fábricas em seis países. Então, um acordo é proposto para a Volvo: A Cipla concorda em entregar os moldes em troca de um pagamento equivalente a 15 meses de lucro líquido com a produção contratada pela Volvo. As negociações envolvem a presidência da Volvo, que finalmente concorda e paga R$500.000,00 a vista. Recebe então autorização para entrar e retirar seus moldes. A fábrica explode de alegria. Todo mundo comemora. Este dinheiro será injetado na compra de matéria-prima para relançar a linha de material de construção que é vendida no varejo em lojas, e ainda deve ajudar bem a pagar o salário do mês, justo na véspera do Natal.

Cada vez mais a luta vai se tornando uma luta política
Mas, nas duas fábricas todo mundo sabe que as batalhas decisivas ainda não foram travadas. Todo mundo tem consciência de que a batalha decisiva não será com a PM e nem com os Juízes. Será uma batalha política com o governo federal para que ele assuma as empresas e salve os 1000 postos de trabalho. E isto vai depender de muita, muita, mobilização. Uma vitória neste sentido ensinaria o caminho para toda a classe operária brasileira confrontada com a quebra e destruição do parque fabril em uma escala brutal. Além de colocar de forma prática o que os versos da Internacional cantam em todo o mundo “Pertence a terra aos produtores. Ó parasita deixa o mundo! O parasita que te nutres, Do nosso sangue a gotejar”.
Em 13 de dezembro, uma semana antes, um Ato Público em Defesa dos 1.000 Empregos havia reunido milhares de manifestantes na praça central de Joinville. Um Ato que teve a participação de representantes da Câmara de Vereadores, dos parlamentares do PT, sindicalistas, da Juventude Revolução e Associações de bairro. O Ato relançou a campanha de assinaturas na Carta ao Lula ao mesmo tempo que aprovou o envio de um telegrama ao Lula pedindo que receba uma delegação dos trabalhadores para entregar a Carta e discutir a questão.
Em janeiro de 2003, começa a batalha pela audiência com Lula. Ela passa por uma audiência com o agora empossado governador Luis Henrique da Silveira, uma audência com o prefeito de Joinville, etc.
Junto com isso outra tentativa será feita de realizar a unidade com os sindicatos ligados à CUT na cidade (Mecanicos, Metalúrgicos e Eletricitários, que são alguns dos principais). Estes sindicatos se recusam a participar de qualquer atividade, desde o início da greve. Alegam, falsa e absurdamente, que “não vão participar de nada junto com um sindicato complicado como este dos plásticos e que não é filiado à CUT". O que querem dizer com isso?
A diretoria dos plásticos era dirigida há tempos por uma gangue que desfiliou o sindicato da CUT e pilhou o sindicato. Acontece que esta gangue foi expulsa por uma articulação interna de outros diretores no fim de 2001. Estes diretores passaram a dirigir o sindicato e desde a greve estão “apoiando”, pelo menos formalmente, o movimento na Cipla e Interfibra. Então os sindicalistas de Joinville ligados à Articulação Sindical não aceitam que algo esteja acontecendo no movimento sindical de Joinville fora de seu controle. Isto nunca aconteceu antes. Mas, tem a ver também como fato de que estes sindicalistas tem uma orientação política em que fazem acordos com os patrões para implementação de tudo o que a patronal exige em termos de flexibilização e demissão de operários. Assim, desapareceram do movimento dos trabalhadores da Cipla e Interfibra e estão profundamente incomodados com o que se passa. Em diversas ocasiões foram flagrados caluniando os dirigentes da Cipla e Interfibra e explicando que a reivindicação de estatização é “coisa de loucos e irresponsáveis”. Estes são os sindicatos que vão, em janeiro de 2004, apoiar a demissão de 1.190 metalúrgicos na empresa Buscar com a desculpa esfarrapada de assim “salvar os 2.000 que restam”. São eles os mesmos que, em maio de 2003, vão se retirar do Congresso Estadual da CUT SC porque não aceitam que o congresso tenha aprovado a luta contra a Reforma da Previdência e, em seu grupo, a Articulação Sindical, não tenham conseguido definir um metalúrgico como candidato a presidente da CUT SC (a Articulaão Sindical é majoritária na CUT SC).
Mas, a batalha que os trabalhadores da Cipla e Interfibra levam pela unidade é tão evidente e sua luta tão justa que estes sindicalistas se isolam. A direção da CUT SC garante a unidade participando ativamente e impulsionando, politica e materialmente, as atividades da luta para salvar os 1.000 empregos.

Alguns dados para um balanço de 18 meses
Em 1/11/02 quando os trabalhadores assumiram o controle da Cipla ela estava em direção ao fechamento. Decorridos dezoito meses houve uma virada na situação dos trabalhadores, mesmo que isto de forma alguma afaste a ameaça de fechamento.
Após meses de trabalho para desvendar a real situação da empresa, com a tarefa dificultada permanentemente pelos ex-proprietários que evidentemene temiam o alcance de uma auditoria, em fevereiro de 2003, chega-se ao tamanho mais exato possível da dívida da empresa. São R$ 485.000.000,00 (485 milhões de reais), sendo que deste total 75% é com o governo federal, 12% com o governo estadual, cerca de 1% com o governo municipal, 7% com fornecedores, 5% com ações e débitos trabalhistas como salários, 13º salário, férias, etc. É um verdadeiro caos que atinge fortemente o próprio funcionamento da fábrica.
Mas, com a negociação feita com a saída da Volvo os trabalhadores retomam a produção da linha de material de consumo, cuja produção estava quase desativada e não passavam de R$ 50.000,00, em outubro de 2002. Em julho de 2003 ela responde já por cerca de 35% do faturamento global. Em fevereiro de 2004 este setor significa 50% do total do faturamento da Cipla.
A seguir vários quadros de importantes modificações da situação da Cipla desde que os trabalhadores assiumiram o controle.
1. Faturamento da Cipla
- Novembro de 2002: R$ 981.000,00
- Julho de 2003: R$ 1.850.000,00
- Março de 2004: R$ 2.478.000,00
2. Salários em dia desde janeiro de 2003
Passados os primeiros 60 dias tenebrosos para recuperar e reorganizar toda a empresa, os trabalhadores passaram a receber o salário integral dentro do mês. Afastou-se assim o tempo em que se recebia R$30,00 por semana e os salários se acumulavam atrasados. Dívidas e prazos com fornecedores foram renegociados, prazos rediscutidos com os compradores e os agiotas afastados definitivamente.
3. Redução dos Acidentes de Trabalho. Uma grande vitória!
- Janeiro a Novembro de 2002: 69 acidentes (14 com abertura de CAT e 55 sem CAT).
- Janeiro a Dezembro de 2003: 33 acidentes (5 com abertura de CAT e 28 acidentes sem CAT).
4. Redução de Jornada Sem Redução de Salários: 40 Horas Semanais e Sábado Livre!
Esta foi uma decisão tomada na Assembléia Geral dos trabalhadores da Cipla no dia 9 de abril de 2003. Os trabalhadores tiveram redução da jornada de 44 para 40 horas semanais de trabalho, sem redução de salários. Para possibilitar isto uma reordenação do funcionamento da fábrica foi feito contando com a criatividade e o conhecimento de seu funcionamento que os trabalhadores detém e é adormecido sob a bota do patrão como forma de resistência passiva. Só a reorganização dos três turnos da fábrica permitiu economizar o valor de R$ 1,2 milhão por ano com energia elétrica.
5. Reajuste na DATA-BASE-Abril/ 2003
- Na Cipla e Interfibra, a partir de 1º de Abril de 2003, implementa-se uma reposição salarial de 18,5%, ou seja 100% do INPC (inflação dos últimos 12 meses) no Acordo Coletivo de Trabalho.
- Enquanto isso o Sindicato fechava Acordo com as empresas de material plástico com apenas 17% de reajuste. E três meses depois este reajuste era confiscado nestas outras empresas com a assinatura pelo Sindicato de redução de até 20% dos salários com redução de jornada.
Aqui surge uma questão chave num momento de controle dos trabalhadores sobre uma empresa. A questão é que os trabalhadores controlam as finanças da fábrica e “não precisam” do sindicato para ter aumento salarial. A tendência natural, e é o que tem acontecido com a formação de cooperativas ou com a dita Auto-Gestão, é que os trabalhadores se desliguem ou não mais participem do seu sindicato. Enfim, surge com a violência da realidade a pergunta “Operário ou operário-patrão?”
Neste momento a posição da Comissão de Transição foi inequívoca e aprovada pelas assembléias que discutiram a questão: Todos somos trabalhadores e pretendemos continuar sendo. Queremos carteira assinada, todos os direitos e salários dignos. Não pretendemos nos iludir com a falsa hipótese de que seremos todos patrões e ricos proprietários de uma grande empresa. A situação atual das empresas, a inexistência de crédito e de capital de giro, o mercado controlado pelas multinacionais e pelos bancos, a guerra comercial que se trava em todo o mundo, a crise economica, impede qualquer trabalhador que tenha bom senso de entrar na via dos sonhos de riqueza individual transformando-se em um operário-patrão. Além de tudo a situação particular da Cipla e Interfibra coloca permanentemente o perigo de que muito rapidamente, de uma semana para outra, os seus trabalhadores possam estar nas filas de emprego em qualquer lugar de Joinville ou do Brasil. Estas são, aliás, as razões que levaram estes trabalhadores a decidir que sua luta era centrada e dirigida ao governo federal exigindo a estatização das empresas. O fato de ser Lula, do PT, que acabava de ser eleito, só amplificava esta orientação e dava um tremendo impulso no ânimo de luta dos trabalhadores. Afinal, ele fora eleito prometendo criar 10 milhões de novos empregos. Não podia começar perdendo mais 1.000. Para os operários trata-se, corretamente, de exgir do governo federal que cumpra com suas responsabilidades com os que o elegeram.
Nas assembléias os trabalhadores reafirmaram que são trabalhadores parte da categoria dos plásticos e parte da classe trabalhadora e por isso precisam hoje e sempre de um sindicato unido e independente defendendo as reivindicações e lutas. Decidiram, portanto, que participariam em massa das assembléias e atividades sindicais junto com todos os outros trabalhadores plásticos. E que, fundamental, só receberiam o índice de reajuste que toda a categoria definisse em assembléia no sindicato.
Esta foi uma decisão de princípio, fundamental, pois reafirmou a unidade de classe e uma das bases políticas principais que permite e justifica a luta pela estatização e não a criação de cooperativas ou de empresas de Auto-Gestão.
Em 2004 um passo mais a frente é dado. É repassado aos trabalhadores apenas aquilo que foi efetivamente conquistado durante a campanha salarial para toda a categoria dos trabalhadores plásticos. Assim, para os trabalhadores da Cipla e da Interfibra, não basta participar das assembléias e definir os índices de reivindicação de reajuste, mas é preciso participar de todas as atividades sindicais junto com o restante da categoria para arrancar um melhor reajuste. Evidentemente isto não foi uma discussão simples pois muitos preferiam o caminho fácil de decidir o seu próprio reajuste ignorando as dificuldades e as dores dos seus irmãos de classe. Mas, cada questão nova é um novo aprendizado e um aprofundamento e solidificação da orientação fundamental: nem patrão, nem operário-patrão. Trabalhadores lutando pela estatização para salvar todos os 1.000 empregos com carteira assinada e todos os direitos.
6. Estagiários são todos efetivados com carteira assinada e com salários compatíveis com a função.
Eram cerca de 70 os jovens que trabalhavam como “Estagiários” na Cipla. Trabalhavam como profissionais mas sem carteira assinada, sem direito a férias, 13º salário, FGTS e qualquer outra garantia, a título de "estágio". Produtos diretos da desregulamentação da era FHC hoje são trabalhadores de pleno direito com salários compatíveis com a função.
8. Zeladoras conquistam piso salarial da categoria
O Sindicato assinou nos últimos anos, inclusive em 2003, um Acordo Coletivo que permite às empresas contratar o pessoal de limpeza e zeladoria por salários abaixo do piso da categoria dos plásticos. A Cipla e a Interfibra acabaram com isso e as trabalhadoras tiveram seus salários reclassificados conquistando o piso salarial dos trabalhadores das indústrias do material plástico.
8. Redução das peças refugadas na produção
- Até 1/11/02 o refugo chegava a 35% do total produzido e as peças defeituosas eram novamente moídas para utilização posterior.
- Em julho de 2003 o refugo já baixou para 9,8% do total produzido e a meta que se busca é de chegar a 4%. Isto significa uma enorme economia.
10. O 13º Salário
- Os trabalhadores não receberam o 13º de 2001 e nem o de 2002.
- Em 2003 os trabalhadores já começam a receber o 13º de 2003 a partir de início de setembro.

OBS.: Os dados da Interfibra são semelhantes aos da Cipla, só que seu faturamento é menor. Seu principal comprador é a Petrobrás com quem se consegue retomar os negócios depois de discussões com a direção da estatal e com sindicalistas petroleiros. As conquistas são as mesmas da Cipla.

Vitórias Administrativas e Políticas
Não é preciso dizer que o fantasma do desemprego continua a rondar os trabalhadores da CIPLA e da INTERIFBRA e agora da FLASKÔ. O fardo de uma dívida de R$ 700 milhões sobre as três empresas só faz agravar a situação. O que mantém estas empresas funcionando é a determinação destes trabalhadores de salvar seus postos de trabalho e assim ajudar a salvar Joinville e o Brasil da miséria e da crise. Esta luta se apoia na mobilização dos 1.070 trabalhadores assim como num impressionante sentimento de solidariedade de classe que recebido de todo o Brasil. É este sentimento que explica que as fábricas ocupadas tenham conseguido:
¨ 70.000 assinaturas na Carta ao Lula pedindo a estatização das duas fábricas para salvar os 1.000 empregos.
¨ R$ 85 mil reais em contribuições, rifas, doações, etc. para bancar de forma independente uma delegação de 350 trabalhadores para ir à uma AUDIÊNCIA com Lula em Brasília, em 11/06/03.
¨ Ser recebidos e tomar a palavra nos Congressos Estaduais da CUT de Santa Catarina, do Paraná e de Minas Gerais. E, finalmente, falar para os 3.000 delegados do 8º Congresso Nacional da CUT, em São Paulo.
¨ Visitar a Ford, em SBC, e após discussão com a Comissão de Fábrica receber deles uma carta dirigida a Lula apoiando a luta dos trabalhadores das fábricas ocupadas.
¨ Cartas de apoio do prefeito de Joinville dirigida a Lula.
¨ Apoio do Governo do Estado e da Assembléia Legislativa.
¨ E, mais importante, ser recebidos em audiência com o Presidente da República, em 11 de junho de 2003, no Palácio da Alvorada (neste momento o Palácio do Planalto estava cercado por mais de 40 mil servidores federais em greve contra a Reforma da Previdência). Nesta audiência, Lula constituiu um Grupo de Trabalho, com 5 Ministérios (Desenvolvimento e Indústria, Fazenda, Trabalho, Previdência e BNDS), declarando seu desacordo com a estatização mas comprometendo-se a encontrar uma solução para salvar os 1.000 empregos.
De conjunto, esta é uma situação que nenhuma outra empresa em vias de quebrar pode apresentar. A Cipla e a Interfibra viraram uma questão nacional. Ela não pode mais ser simplesmente liquidada e desaparecer sem barulho. Os trabalhadores determinados a defender seus empregos e com uma orientação justa fizeram a diferença.
A tendência a generalização das ocupações
Há imensas possibilidades a frente, mas também tudo pode acabar abruptamente. Enfim, esta luta faz parte do processo tumultuoso que vivemos de destruição do parque fabril brasileiro. Situação que a Argentina já vive há algum tempo com centenas de empresas abandonadas por seus proprietários e no qual o Brasil agora ingressa plenamente. E que deve se aprofundar nos próximos meses e anos se continuam a vigorar os Acordos com o FMI e a implantação da Alca. A Cipla e a Interfibra, em especial, não teriam a menor condição de sobrevivência com a entrada em vigor da Alca frente às atuais concorrentes norte-americanas, gigantes mundiais em setores chaves da produção das duas empresas mas que ainda enfrentam a barreira da aduana brasileira. Graves questões se colocam para os trabalhadores no próximo período. Ainda mais com a política de submissão ao FMI aplicada por Lula. A questão do emprego vai tomar um lugar imenso, sendo que já é a principal preocupação dos trabalhadores. E com o aumento da quebra, abandono, insolvência de fábricas, as questões hoje colocadas para a Cipla vão se generalizar.
Em 12 de junho, voltando da audiência com Lula, em Brasília, os 350 trabalhadores de Joinville desviam um pouco sua rota e ajudam os 70 trabalhadores da Flaskô, também empresa de plástico do Grupo HB, localizada em Sumaré, SP, a tomar o controle administrativo e financeiro desta empresa. Com a ocupação da Flaskô a luta passa a ser, então, pela salvação de 1070 empregos.
Em dezembro de 2003 os 70 operários da indústria de sabão JB Costa, de Recife, Pernambuco, e os 143 operários da Flakepet, de Itapevi, São Paulo, tomando conhecimento da ocupação da Cipla, Interfibra e Flaskô, entram em greve e ocupam as duas fábricas integrando a Coordenação. Ainda em Recife os metalúrgicos da Esquadrimetal tentam tomar a fábrica fechada e coloca-la em funcionamento com a ajuda dos trabalhadores da JB Costa, do Sindicato dos Químicos de Recife e do Sinpro de Pernambuco, mas o Sindicato dos Metalúrgicos, orientado para cooperativas, desmonta a luta e os trabalhadores tem que buscar na justiça o que puderem receber dos direitos trabalhistas.
Em março de 2004, a fábrica de cozinhas Oly entra em greve, em Hortolândia, São Paulo. Incentivados pelos sindicalistas que conheciam a ocupação da Cipla, Interfibra e Flaskô, os trabalhadores ocupam a fábrica e procuram o Conselho de fábrica da Flaskô que os integra na Coordenação das Fábricas Ocupadas.
Já em fim de março de 2004 é a vez de entrar neste movimento a fábrica de botões Diamantina, de Curitiba, no Paraná. Entram em greve e ocupam a fábrica as 14:00 horas. Às 16:00 horas a Cipla recebe o comunicado emitido pela da CUT do PR pedindo ajuda e se coloca a disposição para ajudar.
Na J B Costa e na Flakepet os patrões conseguem ordens judiciais de reintegração de posse e desalojam os trabalhadores com força policial. Na Flakepet uma verdadeira operação de guerra é armada com centenas de PMs armados até os dentes. Na Diamantina, no Paraná, a reintegração de posse não pode ser cumprida porque sob pressão dos trabalhadores, do sindicato e da CUT, o governador Roberto Requião, do PMDB, recusa disponilizar soldados alegando falta de efetivos para combater os criminosos. Ele já havia feito isso com uma ocupação de terra do MST.
Hoje as empresas ocupadas são dirigidas por Conselhos de Fábrica e se articulam na Coordenação dos Conselhos das Fábricas Ocupadas e em Luta, constituído em 16 de fevereiro de 2004 em reunião na sede nacional da CUT, em SP. A Flakepet mantem seu Conselho eleito que coordena a luta pela reconquista dos postos de trabalho e mantem uma vigília na frente da fábrica para impedir que desapareçam as máquinas. O mesmo faz a J B Costa, em Recife. Enquanto isso, em ambos os casos, se amplia o trabalho dirigido ao governo federal e a a pressão sobre os patrões para que se chegue a uma solução favorável aos trabalhadores salvando os empregos.

A primeira batalha pela estatização de uma fábrica quebrada
Uma experiência com a política da dita “Economia Solidária” e com a orientação de luta pela estatização, foi realizada, em 1997, pelo Sindicato dos Vidreiros de São Paulo com a Firenzi, fábrica de vidro manual. O sindicato adotou uma posição justa de se recusar a apoiar e participar da formação de uma Cooperativa, mas não conseguiu impedir a formação pelos trabalhadores de uma Cooperativa, impulsionada e sustentada pela ANTEAG – Associação Nacional de Empresas de Auto Gestão.
O Sindicato manteve uma posição de não se envolver na destruição de sua própria classe organizando uma cooperativa, mas ela acaba sendo constituída pela Anteag junto com uma parte dos operários. Isto foi o resultado da fragilidade política do sindicato que não elaborou uma orientação política que permitisse a continuidade do combate para salvar todos os empregos, a orientação da luta pela estatização. Mesmo se esta orientação foi levantada por alguns militantes ela não conseguiu se transformar em força material movendo e organizando o sindicato e os trabalhadores neste sentido. O resultado foi a demissão de cerca dois terços dos trabalhadores vidreiros da Firenzi e a transformação dos restantes em trabalhadores desregulamentados ou operários-patrões.
Apesar das dificuldades e da situação política que se vivia na época, foi justo levantar a luta pela estatização. Mas, esta perspectiva, que sob pressão foi sendo abandonada pelo caminho, numa situação política ainda não madura, colocou a luta num ponto morto até que a iniciativa passou para as mãos dos cooperativistas da ANTEAG. Evidente que a situação política era outra, pois com a eleição de Lula se abre uma situação revolucionária no país, que vai ser a base da ocupação e sobrevivência da Cipla e das outras fábricas ocupadas por mais de um ano. O Sindicato dos Vidreiros foi preservado, não tendo se integrado à destruição da classe operária. Mas aquela luta não foi transformada em um ponto de apoio para o combate geral da classe trabalhadora em sua luta contra o governo e o capital.
Hoje, com o PT tendo sido levado pelas massas trabalhadoras ao governo federal, é obrigatório combater pelos postos de trabalho da Cipla, Interfibra e Flaskô, e outras, com o apoio da experiência da Firenzi, de 1997, e levar em conta todas as suas consequências. O aceleramento da situação exige, entretanto, uma clarificação sobre as várias propostas de “saída” para a situação de quebra e tomada destas empresas.

“Economia Solidária”: Cooperativas e AutoGestão
Numa época em que todos os governantes e muitos sindicalistas falam de “economia solidária”, a auto-gestão, ou a cooperativa, são apontados como a solução para salvar os empregos. Só que isto não salva emprego e desagrega a luta e as organizações dos trabalhadores. Só a estatização dá uma verdadeira perspectiva para os trabalhadores em luta
A cooperativa é, fundamentalmente, um acordo entre os trabalhadores que se apossam judicialmente (em geral em pagamento dos seus próprios direitos trabalhistas) dos meios de produção (máquinas, planta da fábrica, ferramentas, etc) frente a ameaça de fechamento de uma empresa e passam a produzir. Eles passarão assim a estar regidos pela legislação das cooperativas. Esta legislação garante que não há vinculos trabalhistas entre o trabalhador e a cooperativa e portanto não há encargos sociais e nenhum direito trabalhista.
A primeira legislação brasileira que menciona as cooperativas é de janeiro de 1903. O Decreto 799/03 permitiu aos sindicatos a organização de caixas rurais de crédito e a formação de cooperativas agropecuárias e de consumo. Já um novo Decreto nº 22.239, em 19 de dezembro de 1932, foi a primeira lei orgânica sobre cooperativas no Brasil. Em 16 de dezembro de 1971, o ditador militar Emílio Garrastazu Médicio promulgou a Lei nº 5.764, que define o regime jurídico das cooperativas, sua constituição e funcionamento, sistema de representação e órgãos de apoio, em vigor até hoje. Um dos principais pontos da legislação vigente é “O cooperativismo que obedece a um regime jurídico próprio, está desobrigada com relação a encargos trabalhistas, previdenciários e fiscais, que não incidem sobre as atividades da sociedade cooperativa”(Maria Lúcia Arruda, Cooppark).
A cooperativa é apenas a principal forma da chamada Autogestão. Existem outras. Por exemplo, podem os trabalhadores assumir as ações da empresa tornando-se acionistas, proprietários da empresa. O operário vira proprietário. Pelo menos enquanto durar a luta da empresa por se manter no mercado capitalista onde todo dia se agrava a situação das empresas que disputam um mercado controlado e pressionado pelo capital financeiro especulativo.
As cooperativas mais organizadas, se conseguem sobreviver, chegam a separar parcela dos lucros (cujo nome legal nas cooperativas é “sobras”) para pagar bonus como se fosse 13º, férias, etc. Mas, a questão central para as cooperativas é a mesma que põe em crise todas as empresas no sistema capitalista.

A mão amiga que segura o facão
No capitalismo, empresas quebram e desaparecem todos os dias, frente a concorrência ou a força dos monopólios, das multinacionais, do capital financeiro que tudo engole. Para evitar a quebra, o caminho é abaixar o custo da produção ou aumentar a produtividade. Mas, os dois caminhos levam ao famoso “enxugamento”, pois aí é o único lugar em que se consegue mexer, no gasto com o capital variável que são os salários diretos e indiretos. A outra medida possível seria aumentar a produtividade comprando novas máquinas, o que exige um capital que as empresas “auto-gestionárias” não tem e que só acrescentaria o problema mais a frente já que o mercado está já constituído e, normalmente, ocupado, impedindo a expansão. Assim a busca da manutenção da Taxa de Lucro leva inevitávelmente a uma situação onde é preciso retirar mais em trabalho pelo mesmo preço pago pela força de trabalho. Numa empresa capitalista a organização operária, o sindicato, enfrenta esta situação e impede o aumento de jornada ou faz o patrão opagar tão caro por ela que não vale a pena. Na cooperativa não existe a organização da classe trabalhadora, afinal, são todos “donos” do próprio negócio. Isto leva a fazer o trabalhador cooperado se matar de tanto trabalhar. Por isso na “Economia Solidária” é comum a desregulamentação total da jornada diária ou semanal, a quebra permanente do descanso semanal remunerado, etc., pois “agora o négócio é nosso”.
A economia capitalista por suas próprias leis internas obriga as empresas a aumentar sempre o investimento em automação, em novas máquinas e ferramentas, a fazer “reengenharia da produção” buscando maior produtividade, etc, o que acaba por fazer ”sobrar” operários. Então, é preciso começar a “enxugar o quadro”, através de algum tipo de demissão, incentivada ou não. O resultado desta lógica infernal é que, constituindo uma cooperativa, uma parte dos trabalhadores acaba tendo que escolher que colegas ele vai demitir, cedo ou tarde. Por isso, logo formam-se os grupos, as panelinhas, para eleger os dirigentes da cooperativa que preservarão os membros do “seu grupo” articulando a demissão dos “outros”.

A origem das cooperativas
O Papa das cooperativas no Brasil é o conhecido professor e economista Paul Singer, que busca dar uma justificativa “teórica” para esta ação eminentemente política de criar cooperativas em vez de defender os empregos e salvar o parque fabril. Paul Singer é o Secretário Nacional de Economia Solidária (SNAES), órgão do Ministério do Trabalho do governo Lula. E a partir daí vai misturando conceitos, deformando outros e compondo uma incrível e eclética miscelânea com aparência de teoria. É claro que não é sua responsabilidade propor uma política indústrial coerente ao governo. Aliás, ele foi aí colocado justamente para que a destruição do parque fabril brasileiro promovido pela política do imperialismo que o governo aplica ocorra o mais silenciosamente possível. Vejamos o que Paul Singer diz sobre a “Economia Solidária”:
“A economia solidária foi inventada por operários, nos primórdios do capitalismo industrial, como resposta à pobreza e ao desemprego resultantes da difusão «desregulamentada» das máquinas-ferramenta e do motor a vapor, no início do século XIX. As cooperativas eram tentativas por parte de trabalhadores de recuperar trabalho e autonomia econômica, aproveitando as novas forças produtivas. Sua estruturação obedecia aos valores básicos do movimento operário de igualdade e democracia, sintetizados na ideologia do socialismo. A primeira grande vaga do cooperativismo de produção foi contemporânea, na Grã Bretanha, da expansão dos sindicatos e da luta pelo sufrágio universal”.
O professor deveria reescrever seu texto, dizendo que “as cooperativas”, e não a “Economia Solidária”, foram constituídas pelos operários como tentativas vãs de dar resposta à pobreza e ao desemprego resultantes de grandes crises econômicas vividas pelo capitalismo, que ainda se consolidava como força dominante no início do século 19. E que elas nada tem a ver com o socialismo moderno, mas com o passado da economia e com o socialismo utópico. Paul Singer devia dizer também que o surgimento, crescimento dos sindicatos e da luta de classes na Inglaterra, e depois, em 1905, sua expressão política com a criação do Labour Party, este crescimento da organização prolatária e sua consciencia de classe, fizeram praticamente desaparecer o cooperativismo inglês. Assim, como no resto da Europa.
Deveria explicar que sua “ideologia”, como ele diz, na verdade partia dos vestígios de “saudade” das Corporações de Ofício da era feudal que o capitalismo estava liquidando. Estas associações obrigatórias, as Corporações, controlavam e regulamentavam o processo produtivo artesanal, determinando qualidade, preço, quantidade produzida, margem de lucro e o aprendizado e hierarquia dos ofícios na era feudal. Os mestres de cada ofício eram os que detinham as ferramentas e forneciam a matéria-prima. São os “cooperados” de hoje. Estas Corporações se entrelaçavam em associações chamadas Guildas, para apoio mútuo e controle da regulamentação dos ofícios. As Guildas feudais são, óbviamente, a idéia mãe da “Economia Solidária” de hoje.
O movimento operário, ainda confuso e tateante, inseguro quanto as suas forças e capacidades, sem saber como avançar, muitas vezes se voltava para o passado com nostalgia dos “outros tempos não tão duros”. Em toda a história tivemos estas situações transitórias. Na França, os operários massacrados pelas condições de trabalho e jornadas intermináveis, atiravam seus “sabot” (tamancos de madeira) dentro das máquinas destruindo-as. Inventaram a “sabottage”. Na Inglaterra, o “Luddismo”, movimento de artesãos revoltados, destruía máquinas e queimava as tecelagens nos anos 1811-1816, como resposta à crise da economia inglesa. Atingida pela revolução americana e pelas guerras napoleônicas, a economia inglesa estava encolhendo. Ao mesmo tempo, a industrialisação estava velozmente ganhando impulso, à medida que as fábricas e a maquinaria automatizada se espalhavam para o interior.
Nestes tempo confusos do início do movimento operário a União Internacional dos Estivadores, com sede em Londres, lançou um manifesto pregando a sabotagem como forma de ação dos operários. É o movimento que ficou conhecido como “Go canny” (cujo sentido em português seria, mais ou menos, “trabalha do jeito que te agradar” ou “fazer corpo mole”, etc.).
Os franceses explodiam as máquinas. Os ludditas queimavam fábricas. Os estivadores sabotavam os navios. Todos pretendiam resolver a crise voltando ao passado. Isto foi no início. Mas o movimento operário cresceu, amadureceu, e desenvolveu seus meios próprios de luta construindo organizações independentes e se defendendo coletivamente. Sua perspectiva é o futuro, o socialismo, o fim do regime da propriedade privada dos grandes meios de produção.

A “Doutrina Social da Igreja”
Mas, se há um setor social que jamais se conformou com o fim da era feudal foi o Vaticano e sua igreja. Afinal, a igreja era grande proprietária de terra, fazia parte da classe dominante, ou melhor, controlava as classes dominantes. Como parte de seu sistema político/teológico de controle social e pilhagem da riqueza produzida a igreja propagava uma “ideologia” que condenava a ganância, o lucro, o juro (defesa do justo preço). A Coprporação de Ofício, que vai ser destruída pela fábrica capitalista de trabalhadores assalariados, continuará sempre a ser seu ideal de relações de produção no que diz respeito a produção de bens de consumo. Por isso foi a igreja católica, mas não só, a grande incentivadora das cooperativas em todo o mundo até hoje. Não há um só sindicato controlado pela democracia-cristã, na Europa, que não pregue a constituição de cooperativas. Isto vai tomar um impulso mais estruturado e forte a partir do advento da “Doutrina Social da Igreja”, surgida com a encíclica "Rerum Novarum", de Leão XIII, em 1891.
A “Doutrina Social da Igreja” da Igreja Católica é uma reação contra o capitalismo, que enterrava o regime feudal e constituía o Estado Repúblicano laico e democrátioco, liquidando o poder mundial do Vaticano. Mas, também, era uma reação contra os socialistas que surgem das entranhas do monstro capitalista que esmaga a estraordinária estrutura de riquezas e poder que o Vaticano havia erigido em mais de mil anos de existência. Assim a doutrina Social da Igreja se constitui lutando contra o capitalismo e contra o socialismo. Este é o fundamento católico da defesa das cooperativas na dita “Economia Solidária”.
A Encíclica “Rerun Novarum”, de Leão XIII, “sobre a situação dos trabalhadores” encadeia e estrutura a saudade do passado feudal, a resistência ao capitalismo, o ódio ao socialismo e a defesa, por “princípio natural”, da propriedade privada. Este texto tremendamente reacionário seria a base para a proposta posterior de Pio XI, em 1931, de um regime corporativo “nem capitalista nem socialista” que o Duce Mussolini estava erguendo na Itália com todas as suas consequências conhecidas para a humanidade.
Para compreender a defesa feita, hoje, pelos teóricos e defensores católicos da “Economia Solidária é preciso relembrar partes essenciais da encíclica “Rerun Novarum”. Logo após a introdução, os primeiros capítulos afirmam:
“Causas do Conflito
“1.Em todo caso, estamos persuadidos, e todos concordam nisto, que é necessário, com medidas prontas e eficazes, vir em auxílio dos homens das classes inferiores, atendendo a que eles estão, pela maior parte, numa situação de infortúnio e de miséria imerecida. O século passado destruiu, sem as substituir por alguma coisa, as corporações antigas, que eram para êles uma proteção; os princípios e o sentimento religioso desapareceram das leis e das instituições públicas, e assim, pouco a pouco, os trabalhadores, isolados e sem defesa, têm-se visto, com o decorrer do tempo, entregues à mercê de senhores desumanos e à cobiça de uma concorrência desenfreada. A usura voraz veio condenar ainda mais o mal”.
A solução socialista
2. Os socialistas, para curar êste mal, instigam nos pobres o ódio contra os que possuem, e pretendem que tôda a propriedade de bens particulares deve ser suprimida, que os bens de um indivíduo qualquer dever ser comuns a todos, e que a sua administração deve voltar para os Municípios ou para o Estado. Mediante esta transladação das propriedades e esta igual repartição das riquezas e das comodidades que elas proporciona entre os cidadãos, lisonjeiam-se de aplicar um remédio eficaz aos males presentes. Mas semelhante teoria, longe de ser capaz de por têrmo ao conflito, prejudicaria ao operário se fosse posto em prática. Outrossim, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos dos proprietários, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa completa do edifício social.
A propriedade particular
3. De fato, como é fácil perceber, a razão intrínseca do trabalho, o fim imediato visado pelo trabalhador, é conquistar um bem que possuirá como próprio e como pertencendo-lhe; porque, se põe à disposição de outrem as suas fôrças e à sua indústria, não é evidentemente, por outro motivo senão para conseguir com que possa prover à sua sustentação e às necessidades da vida, e espera do seu trabalho não só o direito ao salário, mas ainda um direito estrito, e rigoroso para usar dele como entender. Portanto, se, reduzindo as suas despesas, chegou a fazer algumas economias, e se, para assegurar a sua conservação, as emprega, por exemplo, num campo, torna-se evidente que êsse campo não é outra coisa senão o salário transformado: o terreno assim adquirido torna-se propriedade do artista com o mesmo título que a remuneração do seu trabalho. Mas, quem não vê que é precisamente nisso que consiste o direito de propriedade mobiliária? Assim, essa conversão da propriedade particular em propriedade coletiva, tão preconizada pelo socialismo, não teria outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição de seu salário e roubando-lhes, por isso mesmo, toda a esperança e toda possibilidade de engrandecerem o seu patrimônio e melhorarem a sua situação.

4. Mas, e isso parece ainda mais grave, o remédio proposto está em oposição flagrante com a justiça, porque a propriedade particular e pessoal é, para o homem, de direito natural. Há, efetivamente, sobre esse ponto de vista, uma grandíssima diferença entre o homem e os animais destituídos de razão.
... O que em nós se avantaja, o que nos faz homens, nos distingue essencialmente do animal, é a razão ou a inteligência, e em virtude desta prerrogativa deve reconhecer-se ao homem não só a faculdade geral de usar das coisas exteriores, mas ainda o direito estável e perpétuo de as possuir, tanto as que se consomem pelo uso, como as que permanecem depois de nos terem servido.
Como se vê a Santa Madre Igreja não hesita em buscar as causas “naturais” do direito de propriedade principalmente preocupada com defesa da propriedade mobiliária, das terras, que as revoluções européias do século 18 e 19 lhe estavam tomando para fazer a reforma agrária. Assim, há que se perceber que só os “animais destituídos de razão” não se interessam pela propriedade privada. A partir daí a encíclica vai chegar ao detalhe das corporações.
E como um programa político estruturado e coerente a “Rerun Novarum” prossegue:
“O Estado deve proteger a propriedade particular
23. Mas, é conveniente descer expressamente a algumas particularidades. É dever principalíssimo dos governos o assegurar a propriedade particular por meio de leis sábias. Hoje especialmente, no meio de tamanho ardor de cobiças desenfreadas, é preciso que o povo se conserve no seu dever; porque, se a justiça lhe concede a o direito de empregar os meios de melhorar a sua sorte, nem a justiça nem o bem público consentem que danifiquem alguém na sua fazenda nem que se invadam os direitos alheios sob pretexto de não sei que igualdade. Por certo que a máxima parte dos operários quereria melhorar de condição por meios honestos sem prejudicar a ninguém; todavia, não poucos há que, embebidos de máximas falsas e desejosos de novidade, procuram a todo o custo excitar e impelir os outros a violências. Intervenha, portanto, a autoridade do Estado, e, reprimindo os agitadores, preserve os bons operários do perigo da sedução e os legítimos patrões de serem despojados do que é seu.
Impeça as greves
24. O trabalho muito prolongado e pesado e uma retribuição mesquinha dão, poucas vezes, aos operários ocasião de greves. É preciso que o Estado ponha cobro a esta desordem grave e freqüente, porque estas greves causam dano não só aos patrões e aos mesmos operários, mas também ao comércio e aos interesses comuns; e em razão das violências e tumultos, a que de ordinário dão ocasião, põem muitas vezes em risco a tranqüilidade pública. O remédio, portanto, nesta parte, mais eficaz e salutar é prevenir o mal com a autoridade das leis, e impedir a explosão, removendo a tempo as causas de que se prevê que hão de nascer os conflitos entre os operários e patrões”.
E o Vaticano não hesita em prevenir todos, firmemente, contra a eventualidade de qualquer lei “socialista”, qualquer atentado contra a propriedade que possa surgir, afirmando “...uma lei não merece obediência senão enquanto é conforme com a reta razão e a lei eterna de Deus (Santo Tomás, Sum. Teo., I-II, q. 93, a. 3 ad 2”).
A conclusão da encíclica é u chamado aos operários para que se organizem em corporações, associações, cooperativas, como se diz hoje em dia. No penúltimo capítulo “Convite para os operários católicos se associarem” pode-se ler:
“A sorte da classe operária, tal é a questão de que hoje se trata, será resolvida pela razão ou sem ela e não pode ser indiferente às nações quer o seja de um modo ou de outro. Os operários cristãos resolvê-la-ão facilmente pela razão, se, unidos em sociedades e obedecendo a uma direção prudente, encontrarem no caminho em que seus antepassados encontraram o seu bem e o dos povos.
...
Compreendem, geralmente, esses operários que tem sido joguete de esperanças enganosas e de aparências mentirosas. Pois sentem, pelo tratamento desumano que recebem dos seus patrões, que quase não são avaliados senão pelo peso do ouro produzido pelo seu trabalho; quanto às sociedades que os aliciaram; bem vêem eles que, em lugar da caridade e do amor, não encontram nelas senão discórdias intestinas, companheiras inseparáveis da pobreza insolente e incrédula. A alma embotada, o corpo extenuado, quanto não desejariam sacudir um jugo tão humilhante! Mas, ou por causa dos respeitos humanos, ou pelo receio da indigência, não ousam fazê-lo. Ah, para todos esses operários podem as sociedades católicas ser de maravilhosa utilidade, se convidarem os hesitantes a vir procurar no seu seio um remédio para todos os males, e acolherem pressurosas os arrependidos e lhes assegurarem defesa e proteção”(Leão XIII, encíclica Rerun Novarum, 1891) .
Esta é a base da concepção corporativista que tenta realizar a conciliação de classe em oposição à luta de classes “fundindo capital e trabalho”. A cooperativa, para esta política, é um santo remédio, pois transforma trabalhadores em operários-patrões. Apresenta-se para isso como combatendo tanto o capitalismo, que produz tantos males, como o veneno socialista, que se espalha na classe operária levado por maléficos subversivos.

O Socialismo Utópico, o Fim da Luta de Classes e as cooperativas
Já os socialistas utópicos, que se caracterizavam por querer superar as dores da vida por construções arbitrárias da vontade, se agarraram nas cooperativas e em tentativas do tipo “Economia Solidária” para realizar, ao menos no começo e ao menos por um tempo, enquanto duram, seu ideal de solidariedade, fraternidade e comhunhão de espíritos fora do tempo e da realidade. Os socialistas utópicos do século 18 e 19, foram derrotados pelo tempo, pelo fracasso de suas tentativas concretas de criar mundos a parte, pelo crescimento do capitalismo e de seu proletariado revolucionário. Mas, eles foram lutadores de um novo tempo onde tudo era ainda muito confuso para o proletariado, cujas organizações de classe apenas começavam a surgir, e que, portanto, apenas começava a construir e solidificar sua consciência de classe. Foi preciso o Manifesto Comunista, de Marx e Engels, depois a Comuna de Paris (o “Assalto aos Céus”, como disse Marx), e finalmente a Revolução Russa de 1917, para enterra-los.
O cooperativismo e a dita “Economia Solidária” já não são mais arroubos de românticos mas servem a fins bem definidos na economia mundial dominada pela especulação financeira. Mais a frente veremos que força política e social levou a tentativa de ressucitação das Corporações feudais mais longe, em pleno século 20.

O gentil economista e professor Paul Singer é consciente disso quando explica que o que faz é negar a luta de classes e a incompatibilidade entre capital e trabalho.
“A empresa solidária nega a separação entre trabalho e posse dos meios de produção, que é reconhecidamente a base do capitalismo. A empresa capitalista pertence aos investidores, aos que forneceram o dinheiro para adquirir os meios de produção e é por isso que sua única finalidade é dar lucro a eles, o maior lucro possível em relação ao capital investido”. Como se os cooperados que ali depositaram todo o seu pequeno capital também não pretendessem ter o maior retorno possível. Ele prossegue: “O capital da empresa solidária é possuído pelos que nela trabalham e apenas por eles. Trabalho e capital estão fundidos porque todos os que trabalham são proprietários da empresa e não há proprietários que não trabalhem na empresa. E a propriedade da empresa é dividida por igual entre todos os trabalhadores, para que todos tenham o mesmo poder de decisão sobre ela. Para o professor, se todos os acionistas da General Mottors trabalhassem na General Mottors teríamos aí a fusão do Capital com o Trabalho. E se as ações fossem dividas igualmente entre todos os trabalhadores da própria empresa esta fusão seria completa porque todos teriam “o mesmo poder de decisão sobre ela”. Os gênios são muito distraídos, e por isso o professor esqueceu do mundo capitalista, lá fora, e das relações sociais capitalistas dominantes em todas as esferas da produção mundial.
Entretanto, para que a coisas sejam claras, devemos explicar que quando falamos de cooperativas, estamos falando contra as tentativas de fazer desaparecer o mundo capitalista nas mãos dos operários de fábricas quebradas transformados em cooperados, ou operários-patrões. Não de cooperativas em geral. Nisso concordamos com Paul Singer que diz: “A cooperativa de produção é a modalidade básica da economia solidária e as relações sociais de produção que a definem são as delineadas acima”. Outra coisa completamente diferente é a cooperativa de consumo, onde se reúnem trabalhadores, pequenos proprietários, rurais ou urbanos, etc., enfim, consumidores que reúnem seu pequeno capital para comprar mercadorias ou serviços por melhores preços. Não há nada de errado nisto enquanto existir o capitalismo e seus gigantes industriais e comerciais. O único problema é que dificilmente sobrevivem por que sempre há um capitalista que faz o mesmo e melhor por dispor de mais capital. É a triste história das cooperativas de consumo que a igreja católica criou e viu desaparecer, nos bairros mais pobres, porque não podiam competir com os grandes supermercados que são capazes de comprar em uma escala gigantesca e vender mais barato que qualquer pequeno comerciante ou cooperativa de consumo.
As cooperativas de comercialização onde se agrupam pequenos produtores rurais ou artesãos das cidades, ou taxistas, profissionais liberais, etc., são outra modalidade de cooperativa que pode ajudar estes pequenos proprietários, ou pequeno-burgueses a vender melhor seus produtos. Neste caso como todos entram, vamos dizer assim, no mesmo bolo, depois são remunerados proporcionalmente à quantia de produtos que cada um entregou para venda. A classe operária não tem nada contra estas cooperativas.
Mas, atenção, Paul Singer nos alerta que: “... para ser empresa solidária, não pode haver separação entre trabalho e capital. Muitas cooperativas de consumo empregam trabalho assalariado, o que enseja lutas de classe em seu interior. Por isso não fazem parte da economia solidária”. Demonstrando seu cuidado científico com a economia e a política, Paul Singer diz, na mesma palestra, “O caso da Conforja é muito revelador das potencialidades que a transformação de empresas capitalistas em crise em cooperativas de produção encerra. Uma grande parte das hesitações e resistências dos trabalhadores a se lançar em tal aventura se deve ao seu ineditismo”.
Acontece que a Uniforjas, de SP, é uma cooperativa que tem 232 cooperados e 213 trabalhadores celetistas “ensejando a luta de classes lá dentro”. Ou seria melhor dizer: deixando nu o professor e todos os defensores “socialistas” da “Economia Solidária”?

A teoria cooperativista pretende apagar a luta de classes
Como sempre o melhor para se compreender o significado real de uma coisa é conhecer a as palavras de seus defensores. E todas elas explicam que se trata para eles de amortecer, ou evitar, o choque entre capital e trabalho. Ou seja, impedir que os trabalhadores reajam políticamente, como classe, à barbárie imperialista e passem a questionar a anarquia do mercado capitalista, pondo em questão o regime baseado na propriedade privada dos grandes meios de produção.
O que os trabalhadores tem a oferecer no sistema capitalista é apenas a mais preciosa das mercadorias, sua força de trabalho. Eis como Paul Singer descreve, cinicamente, os esforços necessários para quebrar a resistência operária: “No processo de transformação duma empresa falida ou em vias de falir numa empresa solidária, há uma série de etapas cruciais. A primeira é ganhar a anuência dos próprios trabalhadores, que precisam se propor a trocar seus créditos trabalhistas por cotas de capital da «sua» nova empresa, o que só acontece se eles acreditarem de que são capazes de assumir coletivamente a gestão da empresa em crise e reabilitá-la”.
Mas, em geral, o que acontece no fim, no mercado dominado pelo capital financeiro e pelas multinacionais, é a bancarrota. E assim, ao realizar a união capital/trabalho proposta por Paul Singer, a cooperativa, os ex-trabalhadores apenas estão oferecendo aos capitalistas que vão comprar as mercadorias produzidas pelas cooperativas um produto mais barato, já que assumem para si próprios o custo que normalmente seria do capitalista, o investimento em máquinas e ferramentas. Assim vão, em geral, dissipando lentamente partes de seus próprios salários, portanto do preço pelo qual anteriormente haviam vendido sua força de trabalho, e que se concretizava nos valores recebidos ou a receber, sejam diretos (salários) ou indiretos (FGTS, férias, etc).
Numa sociedade baseada em relações capitalistas de produção, fundamentalmente, não há alternativa, ou você é proprietário dos meios de produção ou você vende sua força de trabalho para sobreviver. E se você detém os meios de produção precisa, então, comprar uma mercadoria que seja, no processo de produção, capaz de gerar mais capital do que ela consome, ou seja, do que custa. Esta mercadoria única é a força de trabalho. Com isto o capitalista consegue se apropriar da mais-valia, do trabalho realizado e não apropriado pelo trabalhador.
Numa cooperativa em que o trabalhador transforma seus salários e verbas rescisórias em capital e passa a ser o proprietário dos meios de produção pouco importa se é ele próprio ou um outro assalariado quem trabalha. De tais forças produtivas, meios de produção e força de trabalho, é preciso retirar a mercadoria que vendida permitirá um incremento do capital ou tudo dá com os burros n´água pois lentamente o cooperado estará apenas dissipando o seu capital e logo será mais um “investidor quebrado”. Como este “plus” só pode ser criado no processo de produção e através da exploração da força de trabalho, ou seja, deixando de pagar uma parte do trabalho realizado, seja um “trabalhador” cooperado seja um trabalhador assalariado, é dele que se extrai este “plus”. Quanto mais há necessidade deste “plus”, mais é preciso aumentar a exploração do trabalho ou o capital total será desvalorizado e vem a bancarrota.
Com esta lógica infernal do modo de produção capitalista, a cooperativa transforma o trabalhador em capitalista inevitavelmente. E se ele não quiser pensar e agir como um capitalista para valorizar seu capital então será irremediavelmente destroçado pelas forças cegas do regime capitalista. Só que por azar o cooperado é o seu próprio objeto de exploração, de extração da mais-valia, sendo assim levado a trabalhar cada vez mais e em ritmo cada vez maior. É o processo onde se abandona toda a regulamentação do trabalho e o cooperado passa a fazer 10 ou 12 horas por dia e atravessar os fins de semana “tocando o seu negócio”. É o processo de transformação do operário em operário-patrão. E que se tiver, por circunstâncias excepcionais, muito sucesso, então acaba se transformando só em patrão, ou seja, contratando outros para fazer o trabalho duro e extrair deles a mais-valia.
Assim, é em vão que a teoria cooperativista tenta apagar a luta de classes e buscar aparecer como um novo modo de produção que estaria suavemente se estabelecendo sobre os escombros da decadência capitalista.
Enquanto o modo de produção dominante do mercado mundial for o capitalista todas as outras relações de produção estão a ele subordinadas. Portanto, mesmo que o cooperativismo fosse um novo modo de produção, o que não é, ele estaria inteiramente determinado, em última instância, pelas leis e tendências fundamentais do capital. A tentativa saudosista de estabelecer, de fazer reviver, uma relação de produção pré-capitalista tem como única e real consequência lançar poeira nos olhos do proletariado em sua luta contra o capital. E, confundindo o exército proletário, roubar-lhe a independência de classe e lança-lo cego, e de pés e mãos atados, no meio da barbárie imperialista que o capital organiza sobre a face da terra ameaçando toda a civilização. Só a luta de classes do proletariado organizado, defendendo palmo a palmo suas velhas conquistas, pode salvar a humanidade da barbárie que a anarquia do mercado capitalista engendra, e que suas próprias leis e tendências internas conduzem à catástrofe. Enganar e dissolver a classe operária e suas organizaçõe impedindo e confundindo a sua luta de classes contra a classe capitalista e sua dominação, é um golpe e uma ameaça contra a civilização.
Para clarificar isto é preciso examinar a ação concreta, e suas consequências, da orientação da dita “Economia Solidária”. Que de solidária não tem nada, como veremos.
Sobre a proposta da “Economia Solidária” de estabelecer um comércio e uma produção “solidária”, que se estabeleceria e sobreviveria, entre fábricas e associações de moradores, sindicatos e outras ditas organizações populares, sem falar das ONGs todas financiadas pelos governos ou pelo Banco Mundial, não é preciso falar muito. É uma proposta tão ridícula, num mercado mundial dominado pelas multinacionais e pelo capital financeiro, que não vale a pena gastar tinta para combate-la. Mas, ela pode dar uma idéia da ignorância economica de quem a defende, ou da má-fé dos economistas que a propagam, quando não são economistas a serviço da religião, ou seja, do além.
Comparável a esta estupidez economica de “Economia Solidária” só se conhece a idéia de “comércio justo”, nacional ou internacional, o que é uma contradição de princípios. Ou a brilhante idéia da volta ao escambo entre as organizações populares e as fábricas ocupadas. O fio unificador de todas estas brilhantes idéias é a vontade divina de apagar a luta de classes e impedir o confronto entere revolução e contra-revolução que domina o mundo hoje. Estas teorias podem ser piedosas, mas são acima de tudo contra-revolucionárias.

A “Economia Solidária” contra o Socialismo
Num artigo intitulado “Economia Solidária: Similia, similibus curentur”, o economista católico Armando de Melo Lisboa, do departamento de Economia da UFSC, junta homeopatia, defesa do mercado, saudade do feudalismo e o ódio característico do Vaticano à revolução socialista. Para defender as cooperativas e a “autogestão” Lisboa escreve:
“Uma pista para pensar o paradoxo da Economia Solidária é o forte paralelo entre a mesma com os processos terapêuticos da natureza, com a lógica da reprodução e transformação da vida. Assim como a homeopatia, a Economia Solidária parte do princípio da cura por semelhança de sintomas: "similia similubus curentur". Ou seja, o mal se cura através de agentes que produzem sintomas semelhantes (o veneno se combate com veneno). Ora, a Economia Solidária usa, a partir de doses mínimas (da pequena escala, do local), "homeopáticas", o mercado, a empresa, o dinheiro, como principais instrumentos da sua luta anti- sistêmica”.
Com medo da revolução, Lisboa se atira para a Homeopatia como a salvação contra a Halopatia socialista e revolucionária dos milhões e milhões de proletários que “nada tem a perder senão seus próprios grilhões”. É uma versão medicinal do Eduard Bernstein, de triste memória, que teorizou sobre as reformas progressivas e crescentes no capitalismo até o dia em que o capitalismo se transformaria por si só em socialismo. Aos socialistas sobraria o papel de fazer pressão sobre os capitalistas que não compreendessem este “inteligente” reformismo e de leva-lo a bom termo. Começaram dizendo isso, e acabaram assassinos de Rosa Luxemburgo que explicava que reforma e revolução não se contradiziam, mas se completavam e que na luta por verdadeiras reformas positivas no capitalismo, a classe trabalhadora seria conduzida inexorávelmente à luta revolucionária pelo poder e pela expropriação da classe capitalista.
Lisboa, como todos os seus colegas defensores da Economia Solidária, lança mão de tudo que tem pela frente para desviar a luta dos trabalhadores de seus inimigos de classe. Por isso sempre misturam luta em defesa do meio-ambiente, “excluídos” que eles não buscam “incluir” mas fazer viver um mundo paralelo fantasioso de “Economia Solidária” e agora finalmente ficamos conhecendo a Homeopatia Socialista para a cura dos males inflingidos à Humanidade pelas multinacionais e pelo capital financeiro. É por isso que para eles a palavra imperialismo não existe. E quando são obrigados a utiliza-la sempre vêm adjetivada de “colonialista”. Como se estivesssemos vivendo a mesma situação do século 19 e não uma etapa de destruição das bases constitutivas da civilização e de regressão social em toda a linha, uma situação de ingresso na barbárie. Afinal, falar do imperialismo significaria falar de enfrentar este monstruoso poder internacional que ameaça o mundo com sua potência econômica e política, não com a força política do proletariado internacional, mas com as ridículas forças econômicas da “rede solidária” das cooperativas e empresas autogestionárias.
Mais a frente, orgulhosamente, cita I. Wallerstein para afirmar a possibilidade de que "o triunfo do mercado, tendo deixado de ser símbolo do sistema capitalista, resulte ser símbolo do socialismo mundial. (Wallerstein, I. Impensar las ciencias sociales. México, Siglo XXI, 19). E, assim o “símbolo” do socialismo seria o mercado dominado pela Economia Solidária. Realmente, para Lisboa, não há luta de classes, coisa que mesmo os economistas e políticos burgueses sérios reconhecem. Lisboa não vê, portanto, o Estado como um órgão de dominação da classe burguesa, que detém a propriedade dos grandes meios de produção. Assim não pode nem imaginar uma sociedade sem mercado, produzindo e distribuindo “de cada um segundo sua capacidade e a cada um segundo sua necessidade”. De fato, como toda “teoria” de Economia Solidária esta também pretende encerrar a classe trabalhadora no limite e no horizonte da existência do capitalismo, só que maquiando-o de “economia social de mercado”. Na verdade uma velharia teórica inventada na justa medida do abandono da luta pelo socialismo por teóricos e políticos que se dobraram às exigências do capital.
Mas, Lisboa vive no Brasil, um país semi-colonial onde a luta por um pedaço de pão pode provocar uma revolução, e precisa explicar que não se trata de abandonar a luta pela revolução mas de “algo novo”, ainda muito incompreendido mas que um dia se revelará ao mundo. Método bem conhecido e muito utilizado pelos católicos e outros religiosos que sustentam suas empreitadas místicas com as ameaças do além e da promessa do dia da revelação onde os homens encontrarão o paraíso. Por isso Lisboa diz: “Não se trata de desfazer-se do revolucionarismo em nome do reformismo, mas de compreender os processos capilares de mudança que se processam sempre dentro de uma longa duração. Toda grande transformação ocorre quase que imperceptivelmente, e somente é compreensível a posteriori”. No fundo, confusamente ele está obcecado pelo processo de constituição e desenvolvimento do capitalismo, que durante séculos de feudalismo e de monarquias absolutistas foi forjando suas fortalezas, acumulando capital até ter forças para fazer tudo saltar e impor seu regime, o capitalismo. O que ele busca apagar aqui é que a “grande transformação” precisou um dia, em 1789, de uma “Grande Revolução” para defender sua sobrevivência e poder expandir-se até seus próprios limites no fim do século 19. E que esta Grande Revolução Francesa só coroava, ou precedia, uma série de grandes revoluções que lutavam para estabelecer o que já crescera no interior do regime feudal europeu.
E não satisfeito de falsificar a história da humanidade, ele dá longa vida ao capitalismo e começa, como todo bom intelectual católico, a culpar a classe trabalhadora pela sua própria desgraça: “Podemos perfeitamente construir uma alternativa ao capitalismo ao interior das relações mercantis, mesmo porque estamos todos dentro dele e de alguma forma colaboramos com este sistema na vida cotidiana. Existe uma linha indissolúvel entre o indivíduo e a sociedade. Todo sistema de dominação somente se sustenta porque conta, em algum grau, com a nossa adesão, ou com nosso consumo: "nossas escolhas de consumo podem tanto colaborar na expansão de redes solidárias, como realimentar a própria reprodução do capitalismo" (Euclides Mance).
É realmente impressionante que um economista seja capaz de imaginar que “redes solidárias” de pequenas empresas controladas por seus próprios trabalhadores, ou seja, por operários-patrões, venham a ser capazes de competir, constranger e finalmente impor-se contra o planeta das multinacionais e do capital financeiro especulativo. Como pode um economista imaginar que um regime em que existe uma multinacional como a GM, que tem um orçamento anual maior que o do governo do Brasil, seja “superado” por um sistema pré-capitalista, feudal, que incorporaria uma dimensão “para além da busca do lucro”?
“Aqui reside um grande desafio do empreendedorismo solidário: superar a lógica capitalista demonstrando que é superior ao empreendedorismo individualista. Claro que o próprio conceito de eficiência deve ser reenquadrado: a economia solidária, por incorporar outras dimensões para além da busca de lucro, deve ser avaliada pelo conceito da competitividade sistêmica (que envolve as dimensões social e ambiental, e não apenas a econômica). Aos poucos, as exigências de uma nova economia vão se impondo e podem predominar no longo prazo, circunscrevendo e restringindo a hoje predominante competitividade espúria que engendra a competição predatória entre empresas, cidades e regiões. Neste cenário, a Economia Solidária estará altamente qualificada e será o agente econômico hegemônico”.
Na verdade é toda uma construção de fé, como sempre sem pé nem cabeça, para justificar sua tentativa teórica de retorno aos bons tempos onde o Papa não só era infalível, mas mandava de verdade.
“Lentamente retomamos os caminhos que, no século XIX eram fecundados pelas tradições do anarquismo, do socialismo utópico, do cristianismo social (solidarismo cristão), do cooperativismo e pela autogestão, mas que foram abandonados em geral ao longo do século XX, especialmente no Brasil, devido, entre outros fatores, à imensa repercussão nos corações e mentes da revolução russa de 1917. Os impasses civilizatórios e a queda do socialismo real neste final de milênio corroeram as certezas da perspectiva marxista-leninista, preponderante ao longo deste último século - i) de que o mundo evolui através de leis universais e conhecíveis; ii) da mudança revolucionária da sociedade através da conquista do Estado conduzida por uma vanguarda organizada num partido; iii) de que, uma vez tomado o poder, há que fazer ou completar a revolução industrial, único caminho para a construção do socialismo. Através da Economia Solidária ressurge a convicção não apenas de que o mundo pode se transformar, mas de que já se encontra em transformação, renovando-se as inelutáveis energias utópicas que sustentam e dão sentido à vida social”.
Lisboa assim torna claro o que ele combate de verdade, a revolução russa de 1917, a maior revolução da história da humanidade. A revolução russa expropriou o capital e entregou à classe trabalhadora o controle coletivo do conjunto dos grandes meios de produção, permitindo-lhe arrancar os pés da lama feudal e tocar com as mãos calejadas as terras do paraíso real, aquele que os homens podem construir com suas próprias mãos.

O caso da UNIFORJAS de SP
É o caminho que trilha a Uniforjas, cooperativa apoiada pelo sindicato dos metalúrgicos de São Bernardo do Campo: “Atualmente, a Uniforjas tem 231 cooperados e 230 funcionários contratados com todos os direitos garantidos pela CLT” ( Marize Muniz, FSP, 15/10/2003).
Se existência determina a consciência então não há como escapar desta “mudança de classe”. Afinal de vendedor de sua própria força de trabalho o cooperado passa a detentor de meios de produção, ou seja, de capital e passa assim a ser um capitalista. Pouco importa que ele seja um pequeno capitalista e sua sina, provavelmente, falir. Se “der certo” é porque conseguiu colocar um abismo entre ele e sua própria classe de origem.
Isto não quer dizer que tendo sido ajudado por um sindicato-cidadão qualquer estes ex-trabalhadores não lhe sejam gratos e não mantenham relações cordiais com este sindicato. Pelo menos até o dia em que “seus” assalariados entrarem em greve com suas próprias reivindicações e o sindicato apoia-los.
De qualquer forma, os que tem mais, muito mais a agradecer ao dito sindicato-cidadão são os capitalistas que viram sua classe reforçada por um novo contingente de novos patrões enquanto a classe inimiga, a classe trabalhadora, se viu diminuida em seu exército de combate contra toda exploração e opressão.
É por isso que “No atual cenário brasileiro, a expansão das cooperativas de trabalho tem funcionado como uma válvula de escape para as crises empresariais, bem como para a redução de custos", conclui Nilson Tadashi Oda, engenheiro de produção, técnico do Dieese e assessor do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC” (DE PEÃO A PATRÃO: No ABC, grupo de 300 empregados decide assumir metalúrgica; agora, objetivo é comprá-la em leilão, Ricardo Kotscho, FSP, caderno Dinheiro,29/07/2001).
Mas, Paul Singer além de tentar reviver, em pleno século 21, o fantasma do já enterrado socialismo utópico do século 19, ainda garante aos trabalhadores que não existe outra saída além da “Economia Solidária” ou do desespero do desemprego “A alternativa é deixar que a empresa seja fechada pela justiça e assim fique até que vá a leilão, quando do valor arrecadado eles receberão uma fração de seus créditos. Em geral passam-se anos entre o lacramento da planta e o seu leilão e neste período instalações e maquinário sofrem desvalorização quase total. Logo, nesta opção, grande dos créditos rescisórios se perdem, ao passo que se forem investidos numa cooperativa, sempre há a possibilidade de que preservem seu valor e até de que este aumente”. Ou seja, você, trabalhador, teria com as cooperativas até mesmo a chance de ficar rico!
Seria engraçado se não fosse trágica a realidade que se esconde por trás dos cantos de sereia das cooperativas. Começando por esconder a responsabilidade da direção sindical na luta contra as demissões nas fábricas, a “Economia Solidária” acaba por desmontar toda luta neste sentido e mesmo por acabar liquidando silenciosamente todos os postos de trabalho. Aqueles que não liquida ela separa da classe trabalhadora e de sua luta contra o capital. Os exemplos são inúmeros a começar pelas cooperativas apresentadas como as mais bem sucedidas.
Os números, e os defensores, da Uniforjas falam por si: “a ex-Conforja já recuperou 60% da sua capacidade de produção, embora esteja trabalhando hoje com metade dos 600 empregados que restavam na época da falência (em 1976, a fábrica chegou a ter 1.800) (Ricardo Kotscho, FSP, 29/07/2001).
A empresa original, a Conforjas tinha 1.800 trabalhadores. Enquanto a crise aumentava com a decisão de Collor de abrir o mercado nacional e o sindicato se enredava na história de sindicato-cidadão e punha-se a negociar a baixa de impostos em “Câmaras Setoriais” para “não haver demissões”. E de concreto nada fez para impedi-las. Os trabalhadores passaram logo a 600 e no momento em que a “grande idéia” da cooperativa surge e vai ser finalmente implantada só existem 231 trabalhadores. Belo trabalho de salvamento de postos de trabalho, de 1.800 combativos metalúrgicos para 231 operários-patrão.
O reacionário Jornal da Tarde, explica tudo sem problemas:
“Entre as medidas saneadoras tomadas, as mais importantes foram o enxugamento do quadro de pessoal, a redução dos níveis hierárquicos, a democratização em vários níveis de decisão e o aumento dos investimentos em educação. Para assumir novas responsabilidades e exercer tarefas mais complexas, os operários da Conforja pediram informações e treinamento à Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária. Com esse apoio, eles se revelaram capazes de conciliar qualidade, baixo custo de produção e função social do trabalho. E também não promoveram uma única greve. "O Sindicato dos Metalúrgicos agiu como um instrumento capaz de criar motivações para que os trabalhadores acreditassem neles mesmos", afirmou Joel Costa, diretor dessa entidade. "A intransigência de ambos os lados poderia ter levado ao suicídio", disse Cícero Leipnitz, gerente de Recursos Humanos da Conforja”. ("Sindicalismo cidadão" (A Metalúrgica CONFORJA) - Editorial do Jornal da Tarde, 17/9/97).
A sintese de aonde conduz a orientação da cooperativa está no Jornal da Tarde: “Entre as medidas saneadoras tomadas, as mais importantes foram o enxugamento do quadro de pessoal...
Com esse apoio, eles se revelaram capazes de conciliar qualidade, baixo custo de produção e função social do trabalho. E também não promoveram uma única greve”...
"A intransigência de ambos os lados poderia ter levado ao suicídio", disse Cícero Leipnitz, gerente de Recursos Humanos da Conforja” ("Sindicalismo cidadão" (A Metalúrgica CONFORJA) - Editorial do JT, 17/9/97).
Mas uma excelente expressão do que se opassa com os operários cooperados está na revista Isto É onde uma longa matéria se dedica a cantar as glórias do operário-patrão. Na capa, uma montaggem fotográfica do cordenador da Uniforjas com macacão azul de operário encostado em sua própria duplicata vestida de terno e braços cruzados em pose empresarial tendo como título “Operário-Patrão”. Já nas páginas centrais sob o título “SOU O DONO” e o sub-título “Quem são os operários que estão mudando a face das empresas e
dos negócios no País”, o jornalista Joaquim Castanheira relata: “Santos (de óculos) e alguns sócios na Uniforja: “Agora que sou dono não há um sábado e domingo que não passe na fábrica. Cada peça é como se fosse um filho meu”.
Há exatamente 25 anos, em maio de 1978, os operários da Scania, em São Bernardo do Campo, entraram na fábrica como sempre faziam e cruzaram os braços como nunca haviam feito. Era o estopim de um novo tipo de mobilização sindical. Aguerrido, profundamente enraizado nas linhas de montagem, esse movimento modificou a face do País e inaugurou a trajetória de um presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva. No próximo dia 29, Lula desembarca em seu berço político para visitar a Uniforja, uma metalúrgica de Diadema. Na ocasião, o presidente dará a partida em um outro movimento, diferente do anterior, mas que, como ele, poderá transformar o mapa da produção no Brasil. A visita de Lula jogará luzes sobre um fenômeno em fase de expansão na região. Sem alarde, grupos de operários reúnem-se em torno de uma cooperativa e assumem a gestão de empresas mergulhadas em enroscos financeiros. ..
E completa: “Nas diretorias, os sobrenomes Silva e Santos prevalecem, macacões substituem ternos e gravatas, e assembléias de operários tomaram o lugar das reuniões de acionistas”.
Trágico relato. O que se vê nesta reportagem é a inversão da trajetória combativa e classista, do início dos anos 80, dos dirigentes dos metalúrgicos do ABCD, com Lula a frente. Da assembléia de operários metalúrgicos, das greves dos braços parados, para as reuniões de acionistas de macacão um longo caminho foi percorrido por estes dirigentes. Hoje eles buscam mergulhar os operários de todo o Brasil em ilusões, em falsas perspectivas, que desorganizam a classe como classe e conduzem, passo a passo, a imensa maioria destes trabalhadores cooperados ao desastre político, economico e financeiro pessoal.
Entusiasmado, mais a frente o jornalista apresenta outro membro de uma cooperativa do ABCD paulista, a Uniwídea: “A retirada de cada um dos 42 cooperados não ultrapassa o salário médio da região, e o futuro continua incerto. Vale a pena? Com a palavra, Alexandre Rodrigues da Silva, de 26 anos. “Temos espinhos no caminho. Antes eu era empregado, entrava às oito e saía às cinco. Hoje, não tenho horário, sempre tem umas coisinhas a mais para fazer. Além da ferramentaria, tenho que dar uma ajudinha no acabamento. Mas, sabe? Está melhor assim. Agora, além de operário, eu sou patrão”. E quem diz tudo isso? Um ex-trabalhador e grevista metalúrgico, agora operário-patrão metalúrgico.
E não um patrão qualquer como mostra a mesma reportagem: “Os 232 cooperados ganharam a companhia de (outros) 213 companheiros contratados pela CLT – ou seja, o quadro de pessoal dobrou”. A cooperativa, apoiada pelo sindicato dos metalúrgicos de SBC, é agora o patrão de 213 metalúrgicos. Em caso de greve destes 213 celetistas que faria o Sindicato?
Mas, de qualquer modo, é preciso compreender que cada um dos 232 cooperados é pobre patrão de menos do que um operário (213/232=0,92) ou seja, para sobreviver o cooperado deve não só esfolar o celetista contratado como ele próprio se esfolar, desregulamentando seu próprio trabalho já que “Agora, além de operário, eu sou patrão”.
Como reconhece o próprio jornalista: “Anos atrás, uma frase dessa jamais sairia da boca de um metalúrgico. Seria considerada uma heresia numa região cuja marca registrada era a intensa militância sindical. Justamente aí encontra-se um dos maiores obstáculos ao desenvolvimento das cooperativas. “Os operários têm uma tremenda dificuldade em aceitar o papel de empreendedor”, analisa Heli Vieira Alves, diretor da Unisol, entidade de apoio às cooperativas criada por sindicatos do ABC. “O primeiro impulso deles é utilizar todo o dinheiro excedente para aumentar a retirada”. A resistência da classe operária é apresentada, então, como uma irresponsabilidade ou uma incompreensão.
Pobre falsificação da realidade. A resistência operária à constituição das cooperativas é a defesa de seu próprio lugar na classe operária em si e para si, ou seja, como trabalhador com organização e direitos. Trabalhador que faz parte de uma classe trabalhadora que não pode transformar-se inteira em patrão, mas pode, sim, tornar-se coletivamente proprietária dos grandes meios de produção, expropriando a minúscula classe capitalista em escala nacional e internacional, e iniciando a construção do socialismo.
Os exemplos de resistência operária são inúmeros e relatados em todos os casos de constituição de cooperativas. “Na ocasião, a empresa teve a falência decretada e só não foi lacrada porque os funcionários não deixaram. A maioria deles não quis fazer parte da cooperativa. “Em apenas um dia, 120 trabalhadores deixaram a companhia”, recorda José Domingos dos Santos, presidente da Uniforja” (Isto É,2003).
Logo a seguir outro exemplo: “Os operários assumiram o volante da então Petit Plásticos em abril de 2000. A empresa estava praticamente paralisada, sufocada por um endividamento que a havia levado à falência. Dos 120 funcionários, sobraram os 53 que se uniram na Plastcooper para tocar a Petit (Isto É, 2003). Ou seja, 67 operários, a maioria, recusou o canto de sereia de se transformar em operário-patrão.
Evidentemente que este sentimento de resistência é muitas vezes incentivado e manipulado pelos dirigente pró-cooperativa para fazer o primeiro enxugamento de pessoal, preparando assim uma cooperativa “rentável”. Uma demonstração concreta desta nistura de resistência e de “enxugamento” aconteceu na Cipla, em Joinville. Nos três primeiros meses o dirigente encarregado de todos os aspectos administrativos era um velho funcionário da empresa. Ele tratou de silenciosamente, secretamente, “tentar viabilizar a empresa” incentivando pedidos de demissão, já que todas as demissões estavam proibidas, exceto por sabotagem ou falta muito grave. Vários artifícios foram usados para incentivar o pedido “expontâneo” de desligamento de 172 operários nos tumultuados três meses iniciais da ocupação. Quando isso foi descoberto, o dirigente foi incentivado a se demitir voluntariamente. Uma comissão procurou os 172 demitidos para discutir politicamente com eles o que se passara e nossas perspectivas. Dois terços destes operários voltaram para a fábrica e estão hoje combatendo para salvar todos os empregos com a estatização da Cipla.
O instinto de classe, a insegurança da situação, e a manipulação dos que pretendem “enxugar o quadro” se mesclam nos primeiros momentos das lutas de ocupação de fábricas. É nestes momentos que os dirigentes jogam um papel essencial ou orientando a resistência que vai desembocar na luta pela estatização, ou desmontando a resistência e incentivando a auto-demissão, preparando assim a transformação dos operários em patrões e a liquidação de uma importante luta de classes.
No governo Lula isto se torna uma política sistemática e que tem a Uniforjas como vitrine. Como explica a mesma revista: “Na visão dos recém- chegados a Brasília esse modelo pode alavancar o nível de emprego e se tornar alternativa para empresas em dificuldades. Na campanha eleitoral, Lula o utilizou como uma de suas bandeiras. Agora, o incentivo virá na forma de dinheiro vivo. Lula anunciará a concessão de um financiamento de R$ 20 milhões do BNDES para a Uniforja” (Isto É, 28/05/2003).
Menos de seis meses depois a TV Globo anunciava para o Brasil como raciocínam os operários-patrões da Uniforjas. Ana Opaula Padrão apresenta uma entrevista:
“Pequenas e médias empresas investem em exportação”.
A fábrica é de uma cooperativa de metalúrgicos. Eles ficaram com as instalações depois que a empresa foi à falência e ia fechar as portas. Para retomar as exportações foi ipreciso gastar com automação.
José Domingos/Presidente da Uniforjas: Se você não investir você acaba perdendo o mercado novamente. Então o pensamento tem que ser sempre em baixar custo.
Tonico Ferreira/Repórter: Ao virar empresários, esses metalúrgicos assimilaram rapidamente a lógica do mercado num mundo cada vez mais globalizado.
Aracelli Boldrini/Dir. de exportação da Uniforjas: Você tem que estar atualizado, brigando tanto lá fora quanto aqui dentro. Uma coisa está relacionada com a outra. Você não é uma ilha”(Jornal da Globo, 12/01/2004). Uma coisa é certa, eles são agora empresários e já compreenderam que o mercado é mundial. Como antes já sabiam da existência da luta de classes só falta compreender que também a classe operária é internacional e que eles estão do lado errado.
Enfim, por trás de todo o palavrório da dita “Economia Solidária” o que há é uma realidade dolorosa de demissão de trabalhadores pelos próprios colegas, rebaixamento do custo de produção, leia-se, rebaixamento do custo do trabalho, busca da paz social, do fim da luta de classes, pois patrões não fazem greve contra si mesmos, e finalmente a decretação teórica, e arbitrária, de que esta é a única saída, o que contraria toda a história do movimento operário internacional até hoje.

A Cooperminas de SC

Outro modelo, segundo os entusiastas das cooperativas, é a Cooperminas, mina de carvão de Criciúma (cidade mineira de Santa Catarina). Esta mina de carvão, a CBCA, quando faliu, no final dos anos 80, tinha 1.400 mineiros. O sindicato depois de uma extraordinária jornada de greves, lutas e manifestações, entretanto, aceitou assumi-la como massa falida e gerir a empresa transformando-a em Cooperativa. Só 900 mineiros “quiseram ficar” ou seja, 500 foram, de fato, levados a sair para viabilizar a empresa. Hoje, ela funciona com apenas 400 mineiros.
Havia outro caminho, mas ele foi recusado pela direção dos mineiros que preferiram o caminho aparentemente mais fácil de receber ajuda financeira para constituir uma cooperativa. A força do movimento dos mineiros era extraordinária e comovia toda a cidade proletaria de Criciúma. Eis um relato sintético feito por um acadêmico da Universidade Federal de SC:
“Com sua situação financeira pendente há três meses, estando os trabalhadores sem receber seus salários por esse período e algumas famílias passando fome, cerca de 600 trabalhadores resolveram parar as atividades, para dar início a uma greve geral. A maior greve geral já vista em toda a historia da região, para legalizarem sua situação salarial e principalmente moral perante a empresa. Em seguida foi deflagrado um movimento que resultou num violento enfrentamento entre mineiros e policiais. A partir daí, se dá o início a um longo processo de organização, reivindicações e tentativas dos mineiros negociarem suas legalizações trabalhistas. Foram efetuadas várias viagens até Brasília na tentativa de alcançarem ajuda do governo Federal, e após muitas promessas e nada sendo cumprido resolvem, por meio de uma assembléia geral, ocupar a Estrada de Ferro Dona Teresa Cristina, principal canal de escoamento de carvão de toda a produção carbonífera da Região Sul, arrancando os trilhos e paralisando, assim, o transporte de carvão
(...) Lá, ganham a esperança de que os problemas da empresa seriam resolvidos e que a empresa seria reaberta. Voltam para Criciúma. Passam-se dos meses e a empresa não reabre. Sentem-se enganados, já que as promessas foram feitas apenas para que saíssem de Brasília (...). (Anteag, 2000, p. 33).
Novamente os trabalhadores organizados em caravanas marcam uma audiência em Brasília, com a determinação de acamparem em frente ao Ministério da Indústria e Comércio, forçando uma audiência com o Ministro Hugo Castelo Branco. Com a recepção do Ministro, os trabalhadores apresentaram um anteprojeto demonstrando a falta de viabilidade da CBCA, ainda massa falida, e conseguiram finalmente um documento assinado pelo Presidente José Sarney que daria a garantia de recursos da ordem de CZ$ 120 milhões. O dinheiro seria para que a empresa fosse reativada após a decretação de sua falência.
Com a falência decretada em agosto de 1988, imediatamente a administração passaria a ser de responsabilidade do Sindicato dos Mineiros de Criciúma. Com o controle da empresa, os trabalhadores dão início a um verdadeiro esforço concentrado em forma de mutirão para pôr a empresa novamente em funcionamento. Ainda em clima de festa, os mineiros já possuíam uma previsão de produzir 25 mil toneladas de carvão por mês .
Mais tarde, a CBCA seria transformada em Cooperminas , tornando-se, assim uma das pioneiras e referência histórica em se tratando de cooperativismo no âmbito nacional” (A Economia Solidária em Criciúma: análise de empreendimentos cooperativos e associativos, D. Barboza).
Durante este difícil processo, que durou meses, a orientação política que havia levado os trabalhadores a Brasília para resolver um conflito entre um capitalista e os trabalhadores da mina CBCA, foi mudando e sua direção foi se adaptando ao que foi lhes parecendo “a única saída possível”. E entraram no caminho da cooperativa. O governo Sarney pressionado libera dinheiro para conseguir “desviar” a luta da CBCA que estava num crescendo e poderia terminar na mesma situação que levou o governo Vargas a estatizar a mina de carvão Próspera, de Criciúma, em 1953. Sob pressão de seus advogados, de muitos “aliados” circunstânciais, e mesmo da burguesia carvoeira local (imensamente rica) que os convidava para “juntos buscar soluções para a crise do carvão” agravada por Collor de Mello, os dirigentes dos mineiros rompem com a orientação de responsabilizar o Estado, o governo federal, pela crise e pela manutenção dos empregos e entram no caminho da administração do capital.
Após assumir a gestão da Mina o Sindicato dos Mineiros de Criciúma, orgulho da classe trabalhadora, se integrou num “Fórum do Sul” constituído por empresários do setor junto com a prefeitura, Câmara e e governo do Estado, para “encontrar soluções para a crise do setor”. Ao invés do combate de classe buscou-se a colaboração de classe atrás do “interesse comum” inexistente. As manifestações revolucionárias dos mineiros que se chocavam com as instituições para defender seus empregos e suas reivindicações foram desaparecendo. Não sem manifestações “demonstração” violentas que serviam apenas para encobrir o abandono de qualquer orientação política de unidade da classe trabalhadora contra os ataques do capital e sua crise.
Começaram então ações do tipo caminhões queimados, manifestações violentas, tribunais invadidos, ações “heróicas” que demonstravam a incrível combatividade dos mineiros, mas também a impotência de sua orientação política. Esta situação acabou levando o movimento dos mineiros ao impasse. E, uma a uma as minas de Criciúma foram sendo abandonadas e inundadas, ou fechadas, pelos capitalistas frente ao menor prejuízo. Hoje, os empresários estão muito bem, em geral com outros negócios, ou deslocalizados para as cidades próximas, e não existem mais minas nem mineiros em Criciúma, apenas desempregados ou aposentados. De 13 mil mineiros da região nos anos 80, hoje, só existem cerca de 3.000 nas cidades vizinhas. O sindicato de Criciúma sobrevive com aposentados, com os cooperados e de aluguéis de seu prédio no centro da cidade, outrora uma fortaleza do movimento operário da região. O Sindicato que tinha a CBCA/Cooperminas por base foi atacado desde o início pelos patrões e depois abandonado, isolado, e finalmente destroçado. Os cooperados são agora “filiados” ao Sindicato de Criciúma.
Mas o mais impressionante foi a transformação da consciência de classe dos mineiros ligados à Cooperminas. Seus membros que eram dos mais combativos militantes sindicais e políticos da região, hoje, agem como “sócios” ou “acionistas” de uma empresa, se revezando na constituição de grupos para disputar o controle da empresa e assim garantir seus próprios empregos e melhores salários. De fato, não restou muito da consciência de classe que tinham estes antigos mineiros, que nos anos 80 promoveram as primeiras greves gerais de Criciúma. Hoje suas preocupações são em relação às compras e vendas de carvão, relações com outras empresas e fazer loby com os governantes. Nas eleições apoiam os mais variados acordos com partidos burgueses e mesmo candidatos empresários, arrivistas que se filiam, ao PT e fazem campanhas milionárias. Este é o resultado: desaparece a consciência da diferença de classe, a diferença entre patrão e o movimento operário organizado.

A ilusão da “Economia Solidária”
Ao criar uma cooperativa os trabalhadores se esquivam de ter que responder pelos outros passivos da empresa, quaisquer que sejam, bancos, fornecedores, acionistas, etc. Isto significa, em geral, que os tributos e encargos sociais que o antigo patrão não pagou, ou pilhou, são dados como perdidos. Ou seja, a cooperativa liquida com qualquer possibilidade do Estado recuperar o que lhe foi sonegado e que é a base da arrecadação para a existência dos serviços públicos, como saúde e educação. Que o dinheiro público seja desviado por governantes para o caixa dos banqueiros internacionais atravez do mecanismo da Dívida Externa, é um outro problema e diz respeito à soberania do povo e da nação. O dinheiro devido, tributos, taxas e encargos sociais, deve ser pago, arrecadado e bem utilizado para os serviços públicos e não sonegado para ficar no caixa enriquecendo cada capitalista individualmente. A criação das cooperativas contorna também esta questão e libera o Estado de suas responsabilidades com os serviços públicos. Atualmente, a nova Lei de Falências, em tramitação no Congresso Nacional por pressão do FMI e dos burgueses nativos, resolve esta questão definitivamente permitindo que uma nova empresa constituída sobre os escombros da anterior surja sem nenhuma obrigação de sucessão.
Até hoje, se um capitalista quebra e vende sua empresa, ou o que restou dela, a outro capitalista, o novo proprietário herda as obrigações trabalhistas e sociais do anterior. Isto impede muitas falências fraudulentas para burlar o pagamento de direitos trabalhistas, que pela legislação atual tem preferência sobre todos os outros credores, seguidos pelos créditos tributários e só depois pelos fornecedores, bancos, etc. Com a nova Lei de Falências a preferência será dos créditos financeiros ou internacionais e acaba a obrigação de sucessão.
Como resultado desta perversidade imposta pelo capital financeiro nem os créditos trabalhistas serão apropriados pelos trabalhadores para montar uma cooperativa. Tudo, ou a maior parte, será engolido pelo capital financeiro. E isto é o mesmo movimento que leva as finanças internacionais a demolirem as micro, pequenas e médias empresas devorando tudo em sua busca desesperada para valorizar o capital extraordináriamente concentrado da época do imperialismo.
Isto é algo que não compreendem os defensores da “Economia Sildária”, ou melhor, fecham os olhos para não ver a realidade, pois teriam que buscar outro caminho quue não sua risível receita de caminho homeopático para o socialismo ao lado de um capitalismo distraído. Assim como os “socialistas” que buscam em vão os “setores produtivos” da burguesia nativa brasileira para enfrenta-la com o imperialismo, mas ao se aliar com estes setores não conseguem mais do que associar-se com os gerentes e sócios menores, nativos, do capital financeiro e das multinacionais, sendo todos juntos arrastados e conduzidos pela torrente cega das finanças especulativas internacionais.

O Estado
Marx explicou que se pode dizer que o socialismo seria trazer o plano interno de funcionamento de uma fábrica para o conjunto da sociedade acabando com a anarquia do mercado capitalista (planificação da economia). Jamais passou pela cabeça de um socialista sério que o socialismo fosse a multiplicação da anarquia do mercado trazida para dentro da fábrica. Na primeira etapa de construção do socialismo uma perfeita direção centralizada é exigência absoluta para a sobrevivência da fábrica e da sociedade socialista. Com o avanço do socialismo e o desaparecimento paulatino do Estado, e o ingresso na sociedade comunista, também esta centralização se desvanecerá até desaparecer.
Assim, a única perspectiva que os socialistas podem se colocar hoje é o controle operário da produção, abertura dos livros (controle administrativo e financeiro) e a luta pela estatização das empresas em quebra. É a única perspectiva que permite colocar e manter em primeiro plano a luta para salvar TODOS os empregos dos trabalhadores da fábrica.
Isto não quer dizer que não possa acontecer de um governo resolver injetar dinheiro público numa fábrica nesta situação e salvar o capitalista. Os operários podem aceitar isto naquele momento, pois o emprego estará salvo. Mas, de fato, trata-se, em geral, apenas de uma postergação do problema.
Numa economia esmagada pelo capital especulativo não há saída para as empresas cooperativas ou autogestionárias. A Lei do Valor, a Lei da Tendência a Queda da Taxa de Lucro, empurram inexoravelmente toda a economia capitalista para o abismo. E a especulação financeira joga aí um papel de acelerador conduzindo todas as empresas ao ataque maciço contra o “Custo do Trabalho”. Nenhuma Cooperativa ou AutoGestão pode fugir disso. Estas tentativas terminam por transformar os operários em carrascos de si mesmo. E, pior, e mais grave, retiram deles toda perspectiva de combate de classe contra a classe capitalista para terminar com toda opressão e exploração sobre sua própria classe. Eles são levados pela lógica da economia a buscar mercados, a competir, a aumentar a sua “vantagem comparativa”, a combater e destruir outras fábricas concorrentes, ou seja destruir postos de trabalho de seus próprios imãos.
Afastar-se do eixo da luta pela Estatização é inevitavelmente cair na vala reacionária da autogestão ou cooperativa, no caso da tomada de uma empresa. Ou na paralizia mais absoluta. Em nenhum destes casos se pode vencer. A luta pela estatização é a única, duríssima, dificil, mas que pode permitir salvar os 1.000 postos de trabalho da Cipla e Interfibra.